De Programa a Política de Estado: o que a UFSM pode esperar com a lei da PNAES?
Publicada em
29/07/24
Atualizada em
30/07/24 13h53m
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Entidades estudantis e reitoria avaliam avanços e desafios da lei que pretende ampliar as condições de permanência estudantil no ensino superior

A Política Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), hoje Lei nº 14.914, foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no último dia 3 de julho. Segundo o texto, a finalidade é “ampliar e garantir as condições de permanência dos estudantes na educação superior e na educação profissional, científica e tecnológica pública federal e de conclusão dos respectivos cursos”.
Na avaliação do Diretório Central das e dos Estudantes (DCE) e da Associação de Pós-Graduandos/as (APG) da UFSM, a lei representa um passo importante na garantia da democratização e da permanência estudantil na universidade. Contudo, os vetos orçamentários decretados por Lula quando da aprovação da lei geram críticas por parte das entidades.
À Assessoria de Imprensa da SEDUFSM, a pró-reitora de Assuntos Estudantis, Gisele Guimarães, diz que a luta pela transformação do Decreto 7.234, de 2010, que criou o Programa Nacional de Assistência Estudantil, em lei é histórica. “[...] e a UFSM, pela sua forte tradição na Assistência Estudantil, está nessas trincheiras desde sempre. É uma conquista de muitos braços, Movimentos Estudantis, Andifes, Fonaprace e vários outros segmentos institucionais que trabalham pela democratização do acesso ao ensino superior, que só se efetiva com investimentos em permanência”, comenta Gisele.
Vetos
Foram quatro os itens da lei vetados pelo presidente: primeiro - o que previa o recebimento, por parte das universidades e dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, de recursos da PNAES proporcionais, no mínimo, ao número de estudantes que se enquadram como beneficiários da Lei nº 12.711 (chamada de Lei de Cotas para o ensino superior).
Na argumentação sobre o veto, o governo atestou que “seriam necessárias a comprovação da estimativa do impacto orçamentário e financeiro e de que a despesa criada ou aumentada não afetaria as metas de resultados fiscais, e a apresentação de compensação por meio de aumento permanente de receita ou pela redução permanente de despesa, condicionantes não cumpridas no caso concreto”.
O segundo veto foi referente ao valor de um novo benefício denominado “Bolsa Permanência”, que originalmente estava previsto para ser da ordem de R$ 700, mas o governo afirmou que o valor a ser pago “será estabelecido em regulamento”.
Já o terceiro veto refere-se ao Programa de Educação Saudável na Educação Superior, cujo texto inicialmente previa que, para estudantes do Programa de Assistência Estudantil, a alimentação deveria ser gratuita. O veto da Presidência foi devido ao texto apresentar uma regra geral e irrestrita, que demandaria planejamento orçamentário. Além disso, o governo argumentou que o programa de gratuidade e concessão subsidiada de alimentação dentro das universidades federais já existe.
O quarto veto apresentado por Lula refere-se ao dispositivo da lei que exigia do estudante beneficiário ter “alto desempenho acadêmico e esportivo”. Para o Palácio do Planalto, tal exigência poderia descaracterizar a finalidade principal da PNAES, que é reduzir as desigualdades sociais nas condições de permanência e de conclusão de cursos.
Avaliações
Em entrevista à SEDUFSM, a coordenação do DCE UFSM diz ter uma avaliação crítica da aprovação da PNAES.
“Alguns pontos ainda não garantem a efetividade da permanência, principal objetivo da assistência estudantil. A UFSM, que hoje possui uma das assistências estudantis mais abrangentes do país, ainda passa por processos de morosidade, marcados pela burocracia e precariedade, principalmente da moradia e alimentação. A lei deve avançar para que a garantia dos auxílios ofertados de fato aconteça, sendo acompanhado dos investimentos necessários. Apesar da crítica, entendemos a importância da aprovação da lei, sendo um passo em direção à democratização e permanência na universidade”, respondeu a entidade.
Samara Wobeto, coordenadora geral da APG UFSM, destaca que a aprovação da nova lei deverá trazer desdobramentos positivos para as e os pós-graduandos, a exemplo do acesso à moradia estudantil. Hoje, explica a mestranda em Comunicação Social, as vagas de moradia para estudantes de pós são uma cessão da graduação.
“No entanto, a manutenção desse espaço e possibilidade de abertura de novas vagas depende de recursos, e sem uma política nacional de assistência estudantil para a pós-graduação, não há destinação de dinheiro para estas garantias. O impacto que esperamos na UFSM é principalmente na garantia de recursos para reformas dos apartamentos existentes, possibilidade de ampliação e manutenção de vagas para a pós-graduação no que se refere à moradia estudantil, principalmente. Além disso, são importantes outros pontos do projeto, como garantia de transporte e alimentação, além de um olhar especial para mães cientistas”, complementa Samara.
Bolsa permanência
Dentre as previsões da PNAES está um benefício intitulado Bolsa Permanência, destinado a estudantes que não recebam bolsa de estudos governamental. Embora o texto original propusesse que o valor da nova Bolsa não fosse inferior a R$ 700 (valor das bolsas de iniciação científica para estudantes de graduação) e R$ 300 (valor das bolsas de iniciação científica júnior para estudantes de educação profissional técnica de nível médio), Lula vetou o dispositivo legal que fixava esses valores, argumentando que “contraria o interesse público ao fixar em lei matéria passível de regulamentação infralegal, o que poderia gerar potencial impacto à operacionalização da política com a efetividade necessária para o cumprimento de seus objetivos”.
Contudo, estudantes indígenas e quilombolas receberão bolsas com o valor em dobro.
Para a coordenação do DCE UFSM, os vetos podem comprometer a efetividade e a abrangência da política.
“O veto relacionado à fixação de um valor mínimo para a Bolsa Permanência é um retrocesso, pois deixa os estudantes em uma posição de incerteza quanto ao apoio financeiro necessário para a permanência nos cursos. Além disso, o veto à gratuidade irrestrita da alimentação para estudantes do Programa de Assistência Estudantil limita o acesso a uma alimentação adequada, fundamental para o desempenho acadêmico. Defendemos que, para que a Pnaes alcance seus objetivos de inclusão e democratização no ensino superior, é crucial garantir os recursos necessários para a plena implementação dos programas previstos pela lei”, destaca a entidade estudantil.
Samara, da APG, diz que, embora entenda a preocupação com as contas públicas, a educação deveria ser prioridade. “No caso do veto do valor mínimo para a bolsa permanência (de R$700,00), por um lado, ter um valor mínimo impacta em uma regularização do valor pago pela bolsa permanência. Por outro, é um valor menor que um salário mínimo, e isso poderia impactar na estabilização desse valor, quando as necessidades podem ser maiores”, justifica.
Contudo, ela concorda com outro veto apresentado por Lula ao texto original da lei, que exigia do estudante beneficiário ter “alto desempenho acadêmico e esportivo”. “Concordamos com a justificativa do veto, da desvinculação das realidades sociais e econômicas, para além das possibilidades de adoecimento mental, cenário muito comum na pós-graduação. Com certeza o recurso tem como objetivo o aumento do desempenho de estudantes, e isso é positivo, mas essa não pode ser uma exigência para a manutenção do vínculo sem consideração de aspectos sociais, econômicos e de saúde”, diz Samara.
O que a UFSM pode esperar a partir de agora?
Frente à conversão da PNAES em lei, a pró-reitora de Assuntos Estudantis, Gisele Guimarães, diz que a gestão está comemorando e se organizando, mas que os desafios repousam, agora, na luta por orçamento e recursos humanos para que a instituição possa dar conta da política.
Um ponto salientado por ela é que o programa "Bolsa Permanência", divulgado como parte da nova lei, existe desde 2013, sendo, até então, destinado a estudantes indígenas e quilombolas. Hoje, o orçamento destinado a essa bolsa já é insuficiente para atender a todos os/as estudantes que se enquadram como beneficiários.
“Temos atualmente, na UFSM, um déficit de cerca de 30 estudantes que seguem aguardando as bolsas disponibilizadas pelo MEC (a UFSM possui 120 bolsistas nessa modalidade). Com a ampliação do Programa para além dos estudantes indígenas e quilombolas, os desafios aumentam significativamente. O perfil de estudante que se enquadra nesse novo momento do “Programa Bolsa Permanência” ainda não foi regulamentado, mas certamente triplica a necessidade de investimentos”, salienta Gisele.
A pró-reitora acrescenta que as universidades estão no aguardo de novas regulamentações e orçamento para desenvolvimento dos Programas.
“Agora com a ampliação dos Programas, todos aguardamos incremento orçamentário para que tenhamos condições de atender a Lei na amplitude dos desafios que ela impõe. Os critérios para distribuição dos recursos ainda estão em construção, uma das razões do veto”, finaliza. Ela recomenda seguir as redes sociais da PRAE (@praeufsm) e do FONAPRACE (@fonaprace_andifes) para acompanhar a evolução da PNAES.
Conheça mais sobre a PNAES
Ao todo, a lei da Pnaes prevê:
“I - Programa de Assistência Estudantil (PAE);
II - Programa de Bolsa Permanência (PBP);
III - Programa de Alimentação Saudável na Educação Superior (Pases);
IV - Programa Estudantil de Moradia (PEM);
V - Programa de Apoio ao Transporte do Estudante (Pate);
VI - Programa Incluir de Acessibilidade na Educação (Incluir);
VII - Programa de Permanência Parental na Educação (Propepe);
VIII - Programa de Acolhimento nas Bibliotecas (PAB);
IX - Programa de Atenção à Saúde Mental dos Estudantes (PAS);
X - Programa Milton Santos de Acesso ao Ensino Superior (Promisaes);
XI - Benefício Permanência na Educação Superior;
XII - Oferta de serviços pelas próprias instituições federais de ensino superior e pelas instituições da rede federal de educação profissional, científica e tecnológica;
XIII - Outras ações tornadas públicas por meio de ato normativo do Ministro de Estado da Educação, observada a compatibilização dessas ações com as dotações orçamentárias existentes, e desde que não haja prejuízos aos programas e às ações constantes dos incisos I a XII do caput deste artigo.” (acesse a íntegra da Lei aqui).
A PNAES originou-se de projeto de lei apresentado pela senadora Professora Dorinha Seabra (União-TO), à época deputada federal, e teve como relatora na Câmara a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA).
Texto: Bruna Homrich
Imagem: UFSM
Assessoria de Imprensa da SEDUFSM
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