Estudar e maternar sem rede de apoio: o desafio das estudantes mães da Ufsm SVG: calendario Publicada em
SVG: atualizacao Atualizada em 09/08/24 21h47m
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Reportagem relata dificuldades enfrentadas por estudantes que têm filhos e reafirma necessidade de uma política materna institucional

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Foto de atividade promovida no primeiro encontro do projeto 'Conexões Maternas', em maio de 2023, na Ufsm

Clarice, filha de cinco anos da estudante de Pedagogia da Ufsm, Maria Julia da Silva, já participou de diversas atividades acadêmicas, especialmente porque o curso de sua mãe é noturno. “Sempre participei de programas de bolsa como o PIBID, RP e agora faço parte do PET saúde e muitas vezes as reuniões são a noite também ou aos sábados, quando as escolas não funcionam. Por falta de rede de apoio e recursos financeiros acaba às vezes sendo a única opção”, conta a estudante Maju, como é conhecida, referindo-se ao fato de levar Clarice consigo.

Quando a menina acompanha os compromissos acadêmicos, sua mãe costuma levar brinquedos e kits para colorir. Em algumas situações, recorrer à tela do celular também acaba se fazendo necessário.

Para Maju, o fato de a Ufsm ser uma das únicas universidades federais que formalizou a presença de mães na Casa do Estudante (CEU) é um passo enorme. Ela mesma reside com a filha, desde 2019, na CEU. Contudo, destaca, ainda há muito que melhorar, mesmo porque as mães muitas vezes não conseguem ajuda para permanecer estudando. Um exemplo citado por ela é que estudantes com e sem filhos têm os mesmos critérios de cobrança acadêmica para manter o benefício socioeconômico (BSE).

Maju e a filha Clarice, de cinco anos

“Já troquei a fralda da minha filha em cima de uma pia de banheiro no CE e no CCSH por falta de estrutura e um fraldário adequado para isso. Acredito que uma política de permanência para as mães pensando nas suas necessidades precisa ser criada o quanto antes, pensando em um contraturno para as famílias que estudam a noite, em um auxílio permanência para pagamento de babá em horários de aula quando a escola não supre essa demanda, na conscientização dos demais universitários, em locais onde essas mães consigam trocar suas crianças em segurança dentro dos centros e em adaptações no RU como algumas cadeiras de alimentação para os bebês por exemplo”, propõe Maju, cuja situação é a mesma de tantos(as) outros(as) estudantes que, por falta de estrutura financeira ou rede de apoio, têm de levar seus filhos para aulas e demais atividades acadêmicas. Na reportagem publicada semana passada aqui em nosso site, inclusive, vimos que a situação também é compartilhada por docentes.

"Acho que deveria ter mais uma escola na Ufsm"

Luciane Inácio é estudante de Educação Especial na UFSM e tem um filho de sete anos. Ambos moram na Casa do Estudante Indígena. Ela leva o pequeno todos os dias para a aula, pois não tem com quem deixá-lo. 

"No prédio do meu curso tem uma sala onde tem o cantinho do café. Lá ele fica com algumas gurias, que adoram ele, ele pinta, conversa, mas nunca atrapalhou minhas aulas, pelo contrário meus professores adoram ele, até já participou de algumas atividades com a turma", partilha Luciane. 

Ela relata ter muita dificuldade em levar o filho todos os dias na escola, e defende a importância de a Ufsm ter uma escola a mais, a exemplo da Ipê Amarelo, para atender os filhos dos estudantes, especialmente daqueles que residem nas moradias estudantis. 

"Acho que deveria ter uma escola a mais na Ufsm, como a Ipê Amarelo, mas que por razões maiores talvez não recebam crianças aqui da CEU, o que no meu ver é contraditório, porque uma escola tão bem falada como a Ipê Amarelo não pode abrir portas para nossas crianças indígenas e as demais, sem precisar passar por sorteio como é feito. No meu ver a Ufsm tem deixado muito a desejar sim sobre esse assunto", opina Luciane. 

“Sinto falta de uma política materna institucional”

No Centro de Educação da Ufsm, há uma sala de amamentação, conforme noticiamos ainda ano passado, em matéria alusiva ao Agosto Dourado. Em alguns poucos centros há banheiros adaptados para servirem também de fraldário. Essas iniciativas, contudo, ainda são bastante dispersas pelo campus, sendo propostas e materializadas por unidades de ensino. Milena Freire, docente do departamento de Ciências da Comunicação, diz sentir falta de uma política materna institucional.

Ela, que é mãe de Tomás (15) e Nina (7), coordena, na Ufsm, o projeto ‘Conexões Maternas’, que objetiva envolver as mães da comunidade universitária em debates sobre a maternagem e mapear as reivindicações desse público. Em 2023, conta Milena, o ‘Conexões’ promoveu rodas de conversa temáticas e coletivas com estudantes, docentes e técnico-administrativas em educação. Mas, a partir de 2024, as atividades passaram a ser por centros. E o que motivou essa mudança foi a situação ocorrida no Centro de Ciências da Saúde (CCS) e relatada em nossa reportagem especial da última sexta-feira, quando docentes contaram ter recebido um email que expressava uma reclamação anônima com relação à presença de filhas e filhos de servidores na unidade.

“A partir do caso do CCS a gente entendeu que existem muitas realidades, muitas universidades dentro da Ufsm, e que cada centro tem uma lógica das relações, das demandas. Alguns têm espaço físico adaptado, outros não. Então estamos começando a fazer os debates por centro. Já estivemos no CCS e no CCNE. Amanhã (sexta-feira, 9 de agosto) vamos ao CE. O maior objetivo do projeto é engajar a comunidade e formular um coletivo materno, porque isso [a formação desse coletivo] precisa ser orgânico e vir de uma demanda e vontade das mães. E, também, a partir do mapeamento dessas diferentes realidades, conseguirmos pensar nas nossas ações, reivindicando aquilo que está na Política de Igualdade de Gênero e ainda não foi implementado, vendo o que está sendo realizado em outras universidades para que possamos solicitar à nossa Administração. Então temos (o projeto ‘Conexões’) esse papel de mediador”, explica Milena.

E outro passo rumo à formulação de ações práticas que promovam maior acolhimento às mães da Ufsm é a participação do ‘Conexões Maternas’ no fórum regional sobre a realidade materno-estudantil nas Instituições de Ensino Superior, que ocorrerá nos dias 16 e 17 de agosto, de forma online. O evento terá a presença de outros coletivos maternos da região sul e o objetivo é levantar as demandas das universidades. Essas demandas serão encaminhadas ao Grupo de Trabalho instituído pelo Ministério da Educação em novembro de 2023 com o intuito de promover estudos técnicos relacionados à Política Nacional de Permanência Materna nas IES brasileiras. O GT é válido até o próximo mês de setembro. Inclusive há um questionário online, formulado pelo MEC, para quem desejar contribuir. Acesse aqui.

“Então as meninas que fazem parte desse GT do MEC estão levantando essas informações e nós, a partir do ‘Conexões’, estamos participando da organização e chamando as mães da nossa comunidade acadêmica a participar desse fórum para que possam expressar as suas experiências, falar da realidade aqui da Ufsm e assim por diante. Tem uma atuação do ‘Conexões' que é interna, dentro da Ufsm, e uma atuação nossa que é voltada para essas articulações políticas coletivas”, informa a docente. As inscrições para o Fórum podem ser realizadas neste link. 

Situação das estudantes é particularmente dramática

Milena, a partir das atividades do ‘Conexões’, escuta muitas histórias relativas às dificuldades da maternagem na Ufsm. E, embora docentes e técnico-administrativas sejam lesadas com a falta de estrutura e apoio institucional, ela diz que as estudantes mães sofrem as consequências mais duras dessa realidade. Isso se deve, especialmente, a dois elementos: uma maior fragilidade financeira e uma posição hierárquica inferior nas relações acadêmicas.

“Desde o ano passado, no ‘Conexões Maternas’, percebemos que existem diferentes realidades que são vividas nos contextos de mães (falo mães porque é especialmente a elas que cabe o trabalho do cuidado) docentes, TAEs e estudantes. Quando trabalhamos em reuniões coletivas com essas três categorias, as questões que são levantadas pelas docentes dizem respeito a pessoas que, claro, têm dificuldades, às vezes precisam contornar essa rotina e levar as crianças para o campus, mas são pessoas que têm normalmente, se comparadas com as estudantes, uma realidade financeira que lhes permite ter outro tipo de rede de apoio, mesmo que seja uma rede de apoio paga. Essas questões aparecem de modo muito mais evidente no contexto das estudantes por não terem essa possibilidade no seu contexto econômico”, comenta Milena.

Ela lembra o caso de estudantes como Maju, citada no início dessa reportagem, que fazem curso noturno. Ainda que consigam creche pela manhã ou tarde, não existe creche que funcione à noite.

O outro elemento que coloca as estudantes em uma posição particularmente difícil é estarem em uma ponta mais frágil da hierarquia dentro da instituição. Já que a Política de Igualdade de Gênero, aprovada em 2021, é normativa, e não lei, algumas pessoas se negam a aceita-la e respeitar o que nela está previsto. Além disso, a falta de divulgação sobre a Política também é um fato que pesa para, por exemplo, alguns docentes não aceitarem a presença de crianças em sala de aula, prevista na norma.

“Tem um desconhecimento por parte da comunidade. Os docentes não estão informados dessa normativa. E acontece muitas vezes que as estudantes têm de negociar como se fosse uma questão individual. Tem estudantes com dificuldades severas”, diz a coordenadora do ‘Conexões Maternas’, usando como exemplo o caso de uma estudante que tinha ganhado bebê e precisava voltar à sala de aula (quando ainda não havia sido aprovada a postergação do prazo para retorno de lactantes). “Ela precisava voltar para a sala de aula com esse filho e o professor impediu. Eu mandei o PDF (da Política) para o professor e ainda assim o professor disse que não. Não é uma lei, é uma normativa, e algumas pessoas mais intransigentes dizem que, não sendo lei, elas não são obrigadas a aceitar a presença da criança na sala de aula”, complementa Milena.  

Alternativas

Ainda que a situação seja mais desafiadora para as estudantes, a própria Milena já enfrentou dificuldades quando teve necessidade de negociar no trabalho questões relativas ao cuidado de seus filhos.

Quando chegou a Santa Maria para ser professora na Ufsm, a docente veio sozinha com seu filho Tomás, que então tinha oito meses. Seu marido, à época, trabalhava em outro estado. Assim, sem rede de apoio ou família na cidade, Milena tinha de levar Tomás várias vezes para a sala de aula e laboratório da Facos Agência. O menino era tão bem acolhido pelos estudantes que chegou a tirar foto de formatura junto com a turma, sendo apelidado carinhosamente de ‘mascote’. As relações com a chefia, contudo, eram um pouco mais delicadas.

“Sinto que tive bastante incompreensão por parte da chefia em alguns momentos, nessa primeira infância do Tomás. Em razão de adoecimento dele e eu precisar me afastar, ou levá-lo ao médico, que são questões pertinentes à maternagem, e eu ouvia da impossibilidade de misturarmos as questões pessoais e profissionais. Foi a única dificuldade que eu tive”, relata.

Quando pensa em alternativas para que a Ufsm se torne mais acolhedora com as mães de sua comunidade, Milena acha válido olhar para o que outras instituições estão realizando, e também lembrar que a universidade não pode se responsabilizar pela integridade das crianças, mas pode fornecer infraestrutura para que as mães, pais ou outros cuidadores desenvolvam atividades com seus filhos. Ela cita a UFRGS e a UFSC como locais que têm espaços reservados para as famílias, com micro-ondas para esquentar leite ou comida e brinquedos. Mas mesmo essas iniciativas não foram institucionais, e sim levadas a cabo pelas próprias estudantes, muitas vezes com campanhas de doação.

Recentemente Milena esteve presente no Seminário Internacional Fazendo Gênero 13, ocorrido entre o final de julho e o início de agosto, em Florianópolis (SC), e lá percebeu que as reivindicações das mães são, em geral, muito semelhantes. Fraldário, sala de amamentação e outras demandas cotidianas de quem tem um filho seguem permanentemente na pauta dos coletivos maternos.

Um exemplo concreto de iniciativa na Ufsm é o projeto de Extensão Brinca+UFSM, coordenado pelos professores do departamento de Desportos Individuais, Ariane Pacheco e Jesse da Cruz. O objetivo, conforme consta no site da universidade, é desenvolver Projetos Temáticos e Oficinas conduzidas por manifestações da cultura popular e voltadas a crianças que residam na Casa do Estudante Universitário ou tenham vínculo de tutela com estudantes da Ufsm. A ideia é que as atividades sejam realizadas no contraturno escolar das crianças. Clarice, filha de Maju, participa do projeto em um dia da semana.

O que diz a Política de Gênero da UFSM?

Sancionada em 3 de novembro de 2021, a Política de Igualdade de Gênero da UFSM prevê, em alguns de seus trechos, a presença de crianças em sala de aula e a adequação de horários para docentes pais e mães de filhos com até dois anos de idade. Além disso, a resolução orienta ainda outras formas de acolhimento a mães e pais servidores e estudantes da instituição. Abaixo, destacamos algumas passagens do documento, que pode ser lido na íntegra aqui:

"IV – implantar fraldários e trocadores em locais que possam ser facilmente acessados por homens e mulheres; e,

V – garantir o direito de amamentação livre em qualquer espaço da UFSM e sempre que possível disponibilizar espaços tranquilos e silenciosos – como uma sala de reuniões, uma cadeira confortável, etc.

§ 4º Viabilizar às mães e aos pais da UFSM:

I – fortalecimento do auxílio creche para mãe ou pai estudante em vulnerabilidade socioeconômica, conforme disponibilidade orçamentária, ou vagas na estrutura de educação infantil da UFSM ou na rede municipal, priorizando estudantes da moradia estudantil;

II – criação de grupo de acolhimento e/ou rede de apoio e acompanhamento psicológico e de saúde de mães no pós-parto, no intuito de compreender as necessidades do período puerperal, articulado com a rede pública de saúde;

III – elaboração, por parte de docentes, de um plano de trabalho/aula específico com flexibilidade didático-pedagógica e avaliativa para a mãe em exercício domiciliar – permitido a partir dos 8 (oito) meses de gestação ou conforme orientação médica até o fim da sua licença maternidade de 4 (quatro) meses – considerando as peculiaridades da maternidade, com auxílio e orientação da equipe multidisciplinar que atue junto ao Espaço Multiprofissional “Casa Frida Kahlo”, se necessário;

IV – a maternidade e a paternidade de crianças de até 6 (seis) anos passam a ser justificativa para solicitação e concessão de “situação 6 (seis)” (Situação Incompleta – necessidade de concluir a disciplina no semestre seguinte, exceto disciplinas integralmente práticas), conforme consta no Guia Acadêmico da UFSM;

V – revisão de Programas de Assistência Estudantil – de permanência na Universidade, de acesso ao Benefício Socioeconômico (BSE) e à moradia – para mães e pais, principalmente no que se refere à frequência e desempenho acadêmico para permanecer usufruindo dos benefícios;

VI – possibilidade de justificar eventuais atrasos ou faltas em dias de entrega de trabalhos ou realização de provas, para mães e pais que estejam atendendo às necessidades específicas dos(as) filhos(as), desde que comprovado por atestado médico ou declaração da escola de educação infantil;

VII – participação de crianças de até 12 (doze) anos em sala de aula, em disciplinas teóricas na companhia da mãe ou do pai, caso necessário, desde que o ambiente garanta a segurança e a integridade física da criança;

VIII – adaptação dos horários de aula junto ao colegiado de curso e ao departamento, conforme as necessidades de mães e pais docentes, com filhos e/ou filhas de 0 (zero) a 2 (dois) anos;

IX – intervenção junto à turma (docentes e estudantes) no caso da necessidade de as crianças frequentarem a sala de aula na companhia da mãe ou do pai;

X – respeito e atenção à maternidade indígena, principalmente no que se refere à relação entre mãe e filhos/as; e,

XI – prioridade no atendimento psicológico e acompanhamento pedagógico às mães e aos pais nos órgãos citados nessa política."

 

Texto: Bruna Homrich

Imagem 1: Milene Eichelberger (UFSM); Imagem 2: Arquivo Pessoal

Assessoria de Imprensa da Sedufsm

 

 

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