Lucas Pelissari: “milimétricos avanços, arrancados na luta política” SVG: calendario Publicada em
SVG: atualizacao Atualizada em 13/08/24 18h19m
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Em entrevista ao Ponto de Pauta, docente da Unicamp analisa versão final da Reforma do Ensino Médio

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Dentre as heranças perversas deixadas por Michel Temer, possivelmente nenhuma tenha sido objeto de tantos debates e mobilizações, para o setor da educação, quanto a Reforma do Ensino Médio, projeto que trazia drásticos e negativos impactos para a educação. De 2016 para cá, contudo, a proposta de se reestruturar o ensino médio passou por diferentes momentos, mantendo sempre o flerte com os prejuízos do projeto inicial. No último dia 31 de julho essa história, que já dura 8 anos, teve um novo e importante capítulo, quando o presidente Lula sancionou, com alguns vetos, a Lei nº 14.945/2024, que institui o novo Ensino Médio ao alterar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). E foi sobre isso a 93ª edição do Ponto de Pauta, programa de entrevistas da Sedufsm. Como convidado, o professor do Departamento de Políticas, Administração e Sistemas Educacionais da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas, a Unicamp, e coordenador do grupo de pesquisa “Estado, Políticas Públicas e Educação Profissional”, Lucas Pelissari – confira a entrevista na íntegra ao final da matéria.

Segundo Pelissari, a rigor, se olharmos para a história geral, ao menos do período republicano, promover mudanças no ensino médio está em debate desde que existe ensino médio no Brasil. Nesse processo, ocorrem ciclos de avanços e retrocessos provocados por diferentes fatores como a própria atuação de entidades, pesquisadoras e pesquisadores ligados ao tema, e também pela própria transformação do ensino médio, como, por exemplo, pelo aumento vertiginoso do número de estudantes a frequentarem essa etapa da educação. Conforme destaca o pesquisador, se olharmos para os anos 80, por exemplo, o ensino médio era um privilégio das elites, cenário parcialmente modificado nos dias de hoje.

Com essas mudanças, ocorre, segundo Pelissari, uma ininterrupta disputa pela educação. “Há uma corrida muito grande, primeiro pela disputa do fundo público, que vai ser responsável pelas políticas de Ensino Médio e para que o Ensino Médio aconteça e seja ofertado. E em segundo lugar há uma disputa ideológica, uma disputa de projetos, uma disputa de princípios bastante intensa também”, afirma o docente. Nessas disputas, segundo Pelissari, há um importante momento de ruptura, por volta de 2015 e especialmente a partir do impeachment da Presidenta Dilma Rousseff. Com a chegada de Michel Temer ao Palácio do Planalto, há um processo de interrupção de alguns avanços logrados na área da educação, em que pese esses avanços serem definidos pelo professor como “contraditórios e limitados”. Com Temer, segundo Pelissari, ocorrerá um processo de recomposição das bases do neoliberalismo, o que está diretamente ligado à proposta da Reforma do Ensino Médio. Ou melhor: Contrarreforma. “A gente faz questão de enfatizar esse prefixo ‘contra’, porque reformas podem acontecer no interior do estado capitalista de maneira a beneficiar interesses das classes populares. Não é o caso dessa reforma. Essas mudanças no ensino médio vão no sentido contrário dos interesses de grande parte da população”, afirma o professor, que ainda destaca a opção de Michel Temer pela apresentação da Contrarreforma através de uma Medida Provisória, dispositivo legítimo, pela constituição, mas flagrantemente antidemocrático, dispensando o debate com atores diretamente atingidos pelas mudanças.

Uma educação Neoliberal

Para o professor Lucas Pelissari, a Contrarreforma do Ensino Médio tem como argumento uma premissa que procede. É no caminho apresentado como solução, de uma educação baseada em “competências”, que está o problema. “É uma reforma que nasce de um diagnóstico de que o Ensino Médio brasileiro, do ponto de vista curricular, científico, epistemológico etc., dialoga pouco com a realidade dos estudantes. Acho que esse é um diagnóstico correto – nós que somos contrários a atual reforma, também defendíamos isso a época – mas que acaba incorporando elementos desse programa neoliberal, de retirada de direitos e dialogando com uma realidade bastante perversa, que é a realidade da flexibilização do trabalho, da informalidade, trabalhos absolutamente precários, e você passa a ter ali um padrão de jovem trabalhador que passa a ser formado no Ensino Médio muito pautado por uma ideologia das competências, do ser competitivo, do competir com o seu colega de trabalho”, explica. Essa proposta inicial, segundo o docente, tem como resultado algumas das mobilizações mais intensas dos últimos anos no Brasil. “E isso acabou desaguando no momento atual, no qual se aprova uma nova lei que estamos chamando de Reforma da Reforma, ou Reforma da Contrarreforma, que traz alguns poucos avanços, milimétricos avanços, que foram arrancados na luta política justamente por esses movimentos, pelo fato de esses atores terem se mantido mobilizados, mas que muda muito pouco em relação à lei anterior”, conclui.

Privatização, fragmentação e natureza anticientífica

Esse pequeno avanço, apontado por Pelissari, é respaldado por uma série de avaliações de entidades ligadas ao tema. Segundo o professor, antes de falar dos avanços e porque estes serem tão tímidos, é preciso refletir sobre três princípios presentes na Reforma desde o princípio. O primeiro deles seria a tendência à privatização de um ensino médio majoritariamente público. “A Contrarreforma, desde a sua primeira versão, coloca na ordem do dia uma tendencia à privatização, na medida em que autoriza a oferta privada de maneira muito menos rigorosa, em termos de fiscalização, de acompanhamento, etc., coloca em cena a iniciativa privada por meio da oferta de ensino médio por educação à distância (EAD), permitindo que até 20% dos cursos diurnos e até 30% dos cursos noturnos de Ensino Médio sejam ofertados à distância, o que é do ponto de vista pedagógico uma aberração que você não encontra em local nenhum do mundo”, explica.

O segundo princípio é o da fragmentação do Ensino Médio, processo que aprofundaria uma característica histórica da educação no Brasil: a divisão de dois perfis educacionais diferentes, conforme a classe social a qual serão ofertados. Tal processo seria agravado, por exemplo, pela lógica dos itinerários formativos. Segundo o professor Lucas Pelissari, “o que a gente tem observado pelas pesquisas é que o que tem restado às classes populares, é fazer o itinerário formativo em sua versão técnica e profissional, se preparando para o mercado de trabalho. Ou seja, é negada uma parte da carga horária propriamente científica, do Ensino Médio, a esses estudantes. Os estudantes do outro setor da sociedade continuarão fazendo, via itinerários formativos, inclusive, porque isso está previsto em lei, o Ensino Médio de maneira científica e se preparando para a entrada na universidade”.

E por fim há, segundo o professor, o princípio da própria natureza anticientífica do modelo de Ensino Médio defendido pela Contrarreforma. “Essa lógica das competências, essa pedagogia das competências, pauta muito o currículo por elementos práticos, pelo desenvolvimento de práticas sempre vinculadas ao mercado de trabalho. Então, o empreendedorismo, os projetos de vida, os projetos manuais e etc., vinculados, inclusive, com a geração de renda informal, vão conformando um sujeito trabalhador que é flexível e adaptado às intempéries do mundo do trabalho”, afirma Pelissari. Para o professor, esses três princípios (tendência à privatização, fragmentação e natureza anticientífica) seguem presentes desde a proposta original da Contrarreforma até à Lei sancionada por Lula no último dia 31 de julho.

Vitória parcial

Segundo o professor, o principal ponto a embasar a avaliação que aponta para uma vitória parcial, trata da carga horária para a formação geral básica. Em sua primeira versão a Contrarreforma trazia, enquanto determinação legal, que a formação geral, de caráter científico, teria um teto de 1.800 horas dentre um total de 3.000 horas a serem ofertadas no Ensino Médio (como exceção haveria um avanço gradativo dessas horas totais para a educação em tempo integral). O restante dessas horas totais que não estivessem dirigidas à formação geral básica, estariam sob o uso dos itinerários formativos (em regra os itinerários contariam com 5 caminhos formativos para a escolha do ou da estudante).

Em primeiro lugar, para Lucas Pelissari, está o problema relacionado a essa suposta oportunidade de escolher por um dos itinerários formativos. “Essa liberdade de escolha é uma falácia. As pesquisas têm mostrado muito bem isso, porque as escolas não têm condições de ofertar os cinco itinerários formativos. Nós temos mais de 2.000 cidades no Brasil que contam com apenas uma escola de Ensino Médio, e aquela escola tem condições, numa situação hipotética, de ofertar dois itinerários formativos. Portanto, essa prateleira de opções, que a próprio discurso neoliberal educacional propagandeia, não existe no cenário brasileiro”.

Em seguida, segundo o docente, há a própria limitação proposta inicialmente pelas 1.800 horas de formação geral básica. Tal limitação impactaria, primeiramente, na própria execução do trabalho. “Inclusive é uma dúvida: como que se definiria esse limite? Bateram as 1.800 horas a gente pede para todos os estudantes fecharem os livros, pararem de estudar, porque, a partir daí, não pode mais por lei? O que a gente estava vendo que acontecia (em algumas escolas) é que elas acionavam os itinerários formativos para fazê-lo. Então, os itinerários formativos, nos grandes cursinhos privados etc., eram acionados para continuar ministrando oito aulas de matemática por semana, aulas de química, física, preparatórias para o vestibular etc”, explica. Já um segundo problema, para Pelissari, seria a insuficiência dessa carga horária. “1.800 horas é muito pouco de formação geral básica, para um país como o Brasil, com os desafios de desenvolvimento científico e tecnológico que o país tem, 1.800 horas não suprem essa necessidade. Nos faz continuar sendo um país subdesenvolvido, dependente, importador de tecnologia”, explica o docente da Unicamp.

É nesse ponto da carga horária da formação geral básica que está, segundo o professor Lucas Pelissari e outras avaliações de entidades do setor, a vitória parcial que pode ser celebrada. Afinal, a versão final do texto amplia para 2.400 horas o tempo dedicado à formação geral básica e que passam não mais a ser um teto de horas, mas um piso. “Repito, isso como fruto de muita mobilização, muita disputa política, institucional e social. Então, as escolas agora estão autorizadas a ofertar 2.400 horas ou mais de formação geral básica. Isso é um avanço. Milimétrico em relação à manutenção de toda a estrutura da reforma”, explica. Contudo, o professor Lucas Pelissari acrescenta ainda um outro ponto que sacramenta o quão parcial é essa vitória. No caso da carga horária de formação geral básica, há uma possibilidade para que as 2.400 horas sejam reduzidas a 2.100 horas. “É justamente o caso daqueles estudantes que escolhem o itinerário técnico e profissional. Então, se o estudante escolheu o itinerário técnico e profissional, ele poderá ter violentadas 300 horas de sua formação geral básica, em benefício de expedientes tais como empreendedorismo, projeto de vida etc. Porque é disso que se trata o itinerário técnico e profissional em muitas situações. Então a fragmentação continua e a natureza anticientífica nem se fala. De modo geral, essa é a vitória parcial que obtivemos, mas ela é absolutamente parcial, porque mantém a estrutura de pé”, conclui.

Texto: Rafael Balbueno 

Imagem: Ítalo de Paula

Assessoria de imprensa da Sedufsm

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