Censo destaca avanço ostensivo de licenciaturas EaD na rede privada
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Atualizada em
11/10/24 19h51m
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Cenário provoca reflexões e desafios às universidades públicas no que tange à oferta de cursos e às políticas de permanência
Dados do Censo da Educação Superior 2023 apontam que, no último ano, existiam 1,7 milhões de matrículas em cursos de licenciatura no Brasil. Dessas, 67,1% (1.148.576) estavam registradas em instituições de ensino privadas e 32,9% (562.407) em instituições públicas. O que mais tem saltado aos olhos, contudo, é o fato de que a grande maioria dessas matrículas está na modalidade EaD (ensino a distância), acendendo de volta o debate sobre o avanço do setor privado na educação superior e a importância da presencialidade como componente fundamental da formação de professores e professoras.
Divulgado no último dia 3 de outubro pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e pelo Ministério da Educação, o Censo indica que 70,2% dos e das ingressantes em cursos de licenciatura nas universidades públicas recorreram à modalidade presencial. Já na rede privada, 93,5% dos alunos ingressaram na EaD.
Outro dado que salta à vista no levantamento é que, mesmo em cidades nas quais havia oferta de licenciaturas presenciais nas universidades públicas, a escolha foi maciçamente pela EaD na via privada: 89,7% das matrículas de EaD estão em 1.085 municípios onde há oferta de cursos presenciais. Tal realidade levanta questionamentos sobre o que deve ser feito para que os futuros professores e professoras não só ingressem mas tenham condições de permanecer em cursos presenciais nas universidades públicas.
Para Márcia Morschbacher, vice-presidenta da Sedufsm, o que pode explicar essa situação é o contingente de trabalhadores e trabalhadoras que acessa o ensino superior e precisa compatibilizar trabalho e formação profissional, pois, se não for assim, não consegue concluir os cursos.
“Nesse sentido, a EaD possui um formato mais flexível considerando essa situação. Outro ponto a destacar é que temos, em nosso país, um sistema de Ensino Superior em que as IES privadas são a maioria, sejam cursos presenciais sejam cursos em EAD. Como, em geral, os cursos em EAD são mais acessíveis em termos de custos aos/às estudantes, estes, também por esse motivo, são mais procurados. Em um contexto de empobrecimento da população brasileira, os cursos à distância das IES privadas, em meu entendimento, têm vencido a concorrência com os cursos presenciais das IES de mesmo caráter (privado)”, comenta a dirigente.
Contudo, Márcia destaca que formar professores sem o componente ‘presencialidade’ traz prejuízos à formação – ainda que existam um conjunto de normativas que as Instituições de Ensino Superior que ofertam ensino à distância devem seguir.
“Primeiro, pelos prejuízos que o formato on-line acarreta quanto ao processo de ensino-aprendizagem. Segundo, pelas características da maioria esmagadora das IES que ofertam cursos EAD (ou, em especial, aquelas que somente ofertam tais cursos): os grandes conglomerados educacionais, que visam obter lucro com o processo de compra e venda da mercadoria educação e que não têm exigência ou compromisso, a priori, com o desenvolvimento do ensino, da pesquisa e da extensão”, reflete.
O avanço dos conglomerados citados por Márcia é corroborado pelos dados do Censo 2023, que registrou 2.580 instituições de educação superior, das quais 2.264 (87,8%) eram privadas. Dessa forma, a rede privada ofertou 95,9% (23.681.916) das mais de 24,6 milhões de vagas.
Uma escolha econômica
Débora Ortiz de Leão, professora do departamento de Administração Escolar da Ufsm, avalia que a preponderância de escolha por cursos de licenciatura EaD seja justificada, essencialmente, por questões econômicas, aliadas a um forte apelo de marketing de instituições educacionais privadas.
“Enfatizo que aqui se trata de diplomação e, não, de qualificação profissional. Criou-se aí mais uma engrenagem perversa que segue a lógica neoliberal, em que o que importa é a vantagem e o lucro a qualquer custo. Seguindo essa lógica, para um emprego melhor, há que se ter um diploma. Para conseguir um diploma rapidamente, recorre-se a instituições que fornecem cursos econômicos e rápidos”, critica a docente.
Assim como Márcia Morschbacher, ela também elenca prejuízos da formação aligeirada, proposta pela EaD às e aos futuros professores. Em primeiro lugar, cita a docente, está a busca por contratos temporários ofertados em larga escala pelas escolas da rede pública do país. Além disso, “como forma de minimizar o efeito cascata da falta de formação dos professores e perseguir a mesma lógica mercantilista das empresas que lucram com a desgraça, as prefeituras adquirem materiais didáticos (apostilas) ao invés de investirem em formação continuada e plano de carreira docente”, acrescenta Débora.
No entanto, a professora faz uma diferenciação entre os cursos EaD oferecidos de forma massiva pelas instituições privadas – muitas vezes sem qualquer tipo de avaliação, e a oferta EaD proveniente das instituições públicas federais, bem avaliadas pelo MEC.
“Ademais, julgo importante considerar que instituições públicas federais possuem igualmente cursos de licenciatura EaD e cursos presenciais. E mais, antes mesmo do novo regramento que exige 50% do curso no formato presencial, as IES públicas federais já adotavam a presencialidade nos Polos Educacionais”, diz Débora. Aqui, a professora se refere à Resolução CNE/CP nº 02 de 2024, responsável por atualizar as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial em Nível Superior de Profissionais do Magistério da Educação Escolar Básica.
Segundo o documento, a formação inicial de profissionais do magistério da educação escolar básica deve ser ofertada, preferencialmente, de forma presencial. E, nos cursos de licenciatura EaD, ao menos 880 das 1.600 horas reservadas ao aprofundamento dos conhecimentos específicos devem ser realizadas presencialmente. Além disso, estágios curriculares supervisionados e atividades acadêmicas de extensão devem ser integralmente presenciais.
Débora Leão reforça que a formação integral do ser humano se dá ‘de corpo inteiro’, de forma que, em sua análise, é evidente a qualidade da formação de quem se licenciou professor ou professora em uma universidade certificada pelo MEC, realizando atividades nas três pontas do tripé ensino, pesquisa e extensão.
“A presencialidade é composta de elementos de comunicação e interação que desafiam ao pensamento crítico e reflexivo que, no meu entender, são essenciais para a formação de profissionais capazes de buscar alternativas para a solução dos desafios cotidianos de uma sala de aula”, argumenta.
Retomando os tempos de pandemia de Covid-19, em que a presencialidade foi suspensa na Ufsm, Márcia Morschbacher lembra que, naquele momento, a experiência com o ensino remoto, embora diferente da EaD, levantou reflexões sobre a importância do ‘olho no olho’ na formação de um professor ou professora.
“Aprofundar conteúdos, vivenciar experiências com a docência e refletir criticamente sobre ela, debater coletivamente e aprender de modo coletivo (no encontro com o/a outro/a) são questões potencializadas com a presencialidade”, afirma a dirigente da Sedufsm.
Quais as saídas?
Frente ao cenário de avanço ostensivo do ensino privado e, consequentemente, da oferta de licenciaturas no formato EaD, é preciso que a universidade pública coloque, dentre suas prioridades, o desenho e efetivação de ações que tornem possível a mais de um milhão de futuros professores e professoras, hoje matriculados em cursos a distância, adentrarem e concluírem suas formações de forma gratuita e no modo presencial.
Para Márcia, os caminhos passam pelo fortalecimento das políticas de permanência e pela oferta de cursos noturnos públicos. Entretanto, ressalta a dirigente, é preciso assegurar que as instituições públicas tenham condições de funcionar adequadamente e garantir uma formação qualificada nos cursos noturnos.
“Além disso, um aspecto que considero salutar diz respeito à valorização dos/as professores/as em exercício, com carreira, salário e condições de trabalho dignos, pois a carreira docente é vista como pouco atrativa em nosso país”, conclui a vice-presidenta da Sedufsm.
Fundamentalmente, a resposta passa por um pacto interfederativo que viabilize investimentos robustos em políticas públicas de permanência e valorização profissional para a carreira docente. Esse é o entendimento da professora Débora Leão, que, além dessa perspectiva macro, ressalta algumas condutas que podem ser adotadas no dia-a-dia da universidade para melhor acolher as e os estudantes. “[...] o acompanhamento e orientação de estudantes em seu percurso formativo pela gestão do curso, o comprometimento dos(as) formadores (as) para com o desempenho positivo dos estudantes, o reconhecimento de avanços e a visibilidade de aspectos positivos alcançados a partir dos estudos e pesquisas”, pontua a docente.
A Assessoria de Imprensa da Sedufsm procurou a Pró-Reitoria de Graduação da UFSM para questionar sobre o que a universidade vem pensando e formulando a respeito das licenciaturas, sobre possibilidade de abertura de novos cursos noturnos, e também sobre a situação atual das bolsas Pibid. Até o fechamento desta matéria, contudo, não obtivemos retorno.
Recentemente publicamos aqui em nosso site duas matérias sobre a situação das licenciaturas no Brasil, destacando aspectos como o índice de evasão e as novas previsões trazidas pelas Diretrizes Curriculares. Leia abaixo:
Licenciaturas terão terceira reformulação curricular em menos de dez anos
Novas diretrizes curriculares trazem previsões para combater a evasão nas licenciaturas?
Texto: Bruna Homrich
Imagens: Banco de Imagens
Assessoria de Imprensa da Sedufsm