Qual o saldo das eleições municipais no Brasil?
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Atualizada em
18/11/24 14h27m
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Em entrevista ao Ponto de Pauta, Marcelo Kunrath (UFRGS) reflete sobre o último pleito
O resultado das eleições municipais de 2024 pode servir como um termômetro do atual estágio da disputa política em nosso país. Afinal, as eleições nos permitem visualizar pautas, discursos e posicionamentos que, ao menos em termos eleitorais, lograram sucesso. E a 97ª edição do Ponto de Pauta se propôs a analisar justamente isso. Para tanto teve como convidado Marcelo Kunrath Silva, professor do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), coordenador do grupo de pesquisa Associativismo, Contestação e Engajamento e vice-coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia – Participa (assista a entrevista na íntegra ao final).
Para o docente, os resultados do último pleito nos permitem visualizar um avanço dos partidos de centro, embora, antes de tudo, uma ressalva se faça necessária: segundo Marcelo, é preciso analisar também a caracterização desse campo, afinal, o crescimento da extrema direita deslocou o centro político ao menos enquanto nomenclatura. Assim, no final das contas, esse dito “centro” político certamente está no campo da direita. Seriam exemplo disso alguns dos grandes vencedores dessas eleições, como o Partido Social Democrático (PSD) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Contudo, para Marcelo Kunrath, há um outro elemento fundamental na análise das últimas eleições e que vai muito além de vitórias e derrotas: as abstenções. No caso de Porto Alegre, conforme destaca o docente, praticamente um terço do eleitorado se absteve da participação no pleito. Para Marcelo, as abstenções – somadas ainda aos votos brancos e nulos – pode sinalizar que uma parcela significativa do eleitorado não se identifica, reconhece ou é mobilizado pelas alternativas oferecidas. “Isso indica que você tem uma insatisfação significativa ou, pelo menos, um afastamento, um ceticismo de uma parcela significativa da população em relação às alternativas eleitorais. Esse, eu acho, é um dado importante que mostra um processo de esgotamento de uma conflitualidade. Desde 2013, a gente vive um processo intenso de conflitualidade e parece que o eleitorado sinaliza, ou uma parcela desse eleitorado sinaliza, um certo esgotamento dessa conflitualidade”, explica o docente.
“Ser sujeito de direitos é uma abstração”
A vitória eleitoral de partidos do campo conservador e liberal também traz para a análise um outro fenômeno: o aparente paradoxo entre vivermos em um país extremamente desigual, com um grande contingente de pessoas em situação de extrema pobreza, e, ao mesmo tempo, o sucesso eleitoral de candidaturas que defendem o enxugamento do Estado e o fim de políticas públicas de bem estar social. Para o professor, é fundamental perceber a complexidade deste tópico, inclusive para escapar à análises que acabem por julgar esse setor do eleitorado. “Acho que primeiro a gente precisa entender que uma parte importante da sociedade nunca foi atendida pelo Estado. Então, para essa população, essa ideia dos direitos, essa ideia da garantia de direitos, essa ideia de ser sujeito de direitos, é uma abstração” explica o docente. Esse processo de direitos jamais vistos ou alcançados por uma grande parcela da população brasileira, na avaliação de Marcelo, promove impacto direto na percepção que este setor tem das propostas apresentadas em períodos eleitorais. “Então isso que pode ser lido como falta de consciência de cidadania, na verdade é uma consciência muito aguda de não ser um sujeito de cidadania. Então essa população colocada nessa posição de não-cidadania é dessa forma que ela recebe os discursos, recebe as propostas políticas”, explica o docente da UFRGS.
O papel da moralidade
Segundo Marcelo Kunrath, há também um outro elemento fundamental para analisar as eleições e que extrapola uma disputa simplesmente no terreno das propostas apresentadas. “Um outro aspecto que eu acho que é importante destacar é que uma parte das análises políticas pensam muito o voto a partir de uma lógica de um interesse econômico. Obviamente isso é importante, isso é algo que orienta as escolhas político-eleitorais. Agora, existem outras dimensões e uma dimensão específica que eu acho que é muito importante é a da moralidade. A questão da moralidade tem tido um efeito muito central na orientação da votação de certos setores da sociedade brasileira”.
Para Marcelo, dois são os exemplos mais palpáveis do impacto da moralidade na disputa eleitoral: a corrupção e questões ligadas à gênero e sexualidade, ambas temáticas capturadas e exploradas ao máximo pela extrema direita. No caso da corrupção, o professor destaca o impacto causado por longos anos de informações distorcidas a respeito do tema. “Isso está inscrito no imaginário de uma sociedade. Se a gente pensar na população jovem que está votando, a gente tem uma população que se socializou nesse país ouvindo que a esquerda é corrupta”, afirma Kunrath. Já sobre o que toca a moralidade, há também o papel desempenhado por setores como as igrejas evangélicas. Aqui, para Marcelo, há uma questão chave. Por vezes análises sobre fenômenos como as eleições e o avanço da extrema direita no Brasil tratam o público evangélico enquanto um personagem monolítico. Contudo, diversas são as pesquisas, segundo o docente, que atestam o apoio do público evangélico à diversas pautas que estariam, em regra, alocadas no campo progressista, como seria o caso do apoio à políticas públicas. Nessa equação que aparentemente não fecha, é a moralidade que desempata e define votos em favor do conservadorismo. “Essa ideia de que tu tens outros elementos, e principalmente esses elementos das crenças e valores, da moralidade, como um elemento fundamental para pensar algumas escolhas e decisões políticas. Então se a gente começa a olhar para isso, a questão de uma população excluída de direitos e uma população que encontra, principalmente nesse discurso conservador da extrema-direita, alguma identificação do ponto de vista de valores morais, ancorados na questão da religiosidade, eu acho que esse voto dessa população fica menos irracional e menos ilógico”, explica Marcelo.
Diálogo
Por fim, para o professor do Departamento de sociologia da UFRGS, tal cenário coloca uma série de desafios para o campo progressista, sendo o diálogo com esse setor do eleitorado, possivelmente o mais importante entre eles. “Eu acho que isso coloca uma obrigação para o campo progressista e de esquerda de fazer uma disputa efetiva desses votos. Não adianta ficar condenando o eleitorado pelas suas escolhas, mas, de fato ser capaz de construir propostas políticas que disputem esse eleitorado, primeiro respeitando esse eleitorado e depois dialogando com ele de uma forma que seja efetivamente mobilizadora”.
Texto: Rafael Balbueno
Imagem: Ítalo de Paula
Assessoria de imprensa da Sedufsm