E por que não trabalhar menos? PEC que põe fim à escala 6x1 reacende debate sobre direito ao tempo livre SVG: calendario Publicada em
SVG: atualizacao Atualizada em 05/12/24 09h52m
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Proposta altera Constituição para limitar a jornada de trabalho a 36 horas semanais

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Entre o fim de 1933 e o início de 1934, os padeiros de Porto Alegre entraram em greve pela jornada 6x1, que significava trabalhar seis dias e folgar no sétimo. Até então, eles trabalhavam de segunda a segunda, sem sequer um dia de descanso semanal. O argumento usado à época pelos proprietários das padarias para amedrontar a população caso a alteração de jornada fosse aprovada era de que não haveria pão novo na segunda-feira. Quem lembrou desse episódio foi a professora Laura Senna Ferreira, do departamento de Ciências Sociais da UFSM, citando um estudo do professor de História da UFRRJ, Alexandre Fortes, sobre o assunto.

Vê-se, então, que não é de hoje as mobilizações de trabalhadores e trabalhadoras por mais direitos, em especial pela redução da jornada de trabalho sem redução do salário. Atualmente, um novo capítulo nessa luta entre patrões e empregados vem sendo escrito e ganhando projeção nacional: a defesa de uma jornada de trabalho de quatro dias por semana ou 36 horas semanais. Ora, se lá na década de 30 do século passado foi possível conquistar um dia de descanso semanal, hoje, passados noventa anos e com os avanços tecnológicos que propiciam aceleração no processo de produção de mercadorias e mesmo no setor de serviços, por que não trabalhar menos?

Apresentada à Câmara de Deputados na forma de Proposta de Emenda à Constituição (PEC) pela deputada Erika Hilton (PSOL-SP), a reivindicação de fim da jornada 6x1 foi uma iniciativa do Movimento Vida Além do Trabalho (VAT), liderado pelo influenciador digital e recentemente eleito vereador pelo PSOL do Rio de Janeiro, Ricardo Azevedo. O rapaz de 29 anos trabalhava como balconista de uma farmácia no Rio de Janeiro e publicou, nas redes sociais, vídeo com reclamações sobre sua jornada de trabalho extenuante. Até esta sexta-feira, 22, a PEC contabiliza 233 votos favoráveis de parlamentares, número mais que suficiente para começar a tramitar no Congresso Nacional.

Atualmente a jornada de trabalho no Brasil é regulada pelo artigo 7º da Constituição Federal, que prevê jornadas de, no máximo, oito horas diárias e 44 horas semanais, abrindo a possibilidade de flexibilização mediante compensação ou negociação coletiva. A proposta apresentada por Erika Hilton propõe uma alteração no texto constitucional, estabelecendo a "duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e trinta e seis horas semanais, com jornada de trabalho de quatro dias por semana, sendo facultadas a compensação de horários e a redução de jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho".

Segundo matéria publicada nesta segunda-feira, 18, no site da Agência Brasil, 67% das manifestações individuais nas redes sociais são favoráveis à PEC que põe fim à escala 6x1. A avaliação é da Nexus – Pesquisa e Inteligência de Dados, que analisou cerca de 30 mil publicações sobre o tema no Facebook, Instagram, Linkedin, Tiktok e X.

Contudo, fora das redes sociais, tal qual os donos das padarias de Porto Alegre na década de 30, o empresariado brasileiro e seus representantes dentro do Congresso têm usado argumentos passíveis de gerarem medo na população, a exemplo de que a redução da jornada implicaria, necessariamente, em uma redução de salários e de produtividade, demissões e cortes de gastos. Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, disse que a PEC, se aprovada, elevaria o custo da mão de obra e aumentaria os índices de informalidade no trabalho.

Para Laura Senna, não se trata de uma questão técnica, mas política. “Do ponto de vista tecnológico, desde há muito tempo se tornou viável uma redução da jornada, simultaneamente à ampliação da produção de bens e de mercadorias. E é precisamente isso que tem ocorrido, sobretudo, quando analisamos os processos de reestruturação produtiva desde os anos 1970, quer dizer, tem se dado um aumento da produtividade com redução do trabalho, produzindo desemprego. A partir desse contexto, o que muitas vezes acontece é a imposição de uma jornada laboral escandalosa para alguns e uma ausência de trabalho para outros”, argumenta a docente.

Dessa forma, prossegue Laura, a redução da jornada de trabalho acarretaria exatamente o inverso do que apregoam seus opositores, pois melhor distribuiria os empregos, invertendo a lógica hoje existente de muitas horas de trabalho para algumas pessoas, e zero horas de trabalho para outras.

“Os trabalhadores precisam estar preparados para se defender dessa argumentação que vai se dar em torno do aumento dos custos operacionais das empresas e do suposto aumento do desemprego e da informalidade. Também vai se amedrontar a população com a ideia de aumento de custos a serem repassados ao consumidor, os impactos na economia, etc. Toda e qualquer conquista tem recebido esse tratamento. Foi assim até mesmo quando foi criada a lei do salário mínimo, que, na época, também se dizia que iria prejudicar a economia do país”, complementa a docente.

A vida acima do trabalho

Leonardo Botega, diretor da Sedufsm, expressa aquela que é a posição da seção sindical docente sobre o assunto.

"O fim da escala 6x1 não é apenas uma questão de regulamentação da jornada de trabalho, mas sim um avanço rumo ao trabalho digno e a uma vida mais digna. Uma pauta fundamental em tempos de precarização. Uma proposta que vai na contramão da lógica de retirada de direitos que estamos vivenciando nas últimas décadas. Uma proposta que aponta para uma concepção onde a vida está acima da exploração do trabalho”, defende o dirigente.

Botega e diversos outros docentes estiveram presentes no ato ocorrido na manhã do último sábado, 16 de novembro, em Santa Maria. A reivindicação que unia trabalhadores e estudantes no centro da cidade era o fim da jornada 6x1. Concentrados na Praça Saldanha Marinho no início da manhã, as e os manifestantes realizaram uma caminhada pelo calçadão Salvador Isaia dialogando com as pessoas que trabalhavam nas lojas ou por ali circulavam. O encerramento da marcha foi na Praça dos Bombeiros.

*Professores e professoras da Sedufsm presentes no protesto na sexta, 15 de novembro

“A nossa luta é para que as companheiras das farmácias possam chegar em casa mais cedo e abraçar seu filho ou sua filha. É uma luta para que a gente passe a entender que a vida não tem preço, que a vida tem um sentido, e esse sentido é a dignidade. E por isso nós exigimos e vamos lutar até o final pelo fim da jornada 6x1”, disse Botega.

O protesto contou com a participação de diversos estudantes da UFSM que, embora ainda não integrem o mercado de trabalho, reivindicavam empregos mais dignos e humanos tanto para quem ainda vai se tornar assalariado, quanto para quem já o é.

Recentemente, o ANDES-SN divulgou nota em apoio ao fim da escala de trabalho 6x1. Leia aqui.

Assim como Santa Maria, diversas outras cidades do país registraram manifestações na sexta, 15, e no sábado, 16, em defesa da redução de jornada com manutenção de salários.

Mulheres são maioria no setor de comércio e serviços - Guiomar Vidor, presidente da Federação  dos Empregados no Comércio de Bens e Serviços do Estado do Rio Grande do Sul (Fecosul) e vice-presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio (CNTC), disse, à Assessoria de Imprensa da Sedufsm, que ambas as entidades são plenamente favoráveis ao fim da escala 6x1 e elenca diversos fatores observados nos últimos 36 anos, desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, que ajudam a justificar a viabilidade e a justeza da reivindicação.

“[...] Tivemos mudanças profundas no mercado de trabalho, com um trabalho mais intenso, diminuição do número de trabalhadores, ganhos de produtividade, novas formas de gerenciamento, fatores mais do que suficientes para justificar a redução da jornada e o estabelecimento de uma nova escala de trabalho. A geração de empregos seria outro ponto positivo, que precisa ser considerado. No caso do comércio, defendemos uma escala de 5X2, seriam 5 dias de trabalho e dois consecutivos de folga, com jornada de 8 horas diárias e 40 horas semanais. Esta inclusive será um dos principais pontos de nossa campanha salarial de 2025”, antecipa Vidor.

Outra questão pontuada pelo dirigente é que, hoje, 49% dos lares são comandados por mulheres e elas são 50% da mão de obra. No setor de comércio e serviços, onde se pratica a escala 6x1, as mulheres são maioria. “Elas, que já sofrem com a dupla jornada, imposta por uma cultura social, e com apenas um dia de folga por semana, não dão conta dos afazeres domésticos e ainda cuidar e conviver com filhos e família, muito menos ter algum tempo para o lazer e a qualificação profissional”, problematiza Vidor.

Exemplos de outros países – Uma semana com menos dias de trabalho não é uma distopia. A experiência já tem sido feita em países da Europa, contudo, em todos os locais a resistência do empresariado é muito grande. O dirigente da Fecosul e da CNTC cita o exemplo da Islândia, em que “a introdução da Semana de 4 Dias é apontada como causa do crescimento de 5% do PIB em 2023, crescimento de 1,5% na taxa de produtividade, redução do desemprego e aumento da satisfação e do bem-estar dos trabalhadores. Pesquisas feitas em outros países, como Inglaterra e Alemanha, revelaram os mesmos resultados”, diz Vidor.

No que tange ao Brasil, ele diz que a redução de jornada sem redução salarial deve estimular a criação de até seis milhões de novos postos de trabalho. “Precisamos ter a visão de que os avanços da ciência, que são resultado de um esforço social e coletivo, sejam revertidos ao bem comum de toda sociedade e não apenas em benefício do capital”, complementa.

“É preciso democratizar o tempo livre” – Por detrás das discussões sobre o fim da escala de trabalho 6x1 está um debate mais complexo acerca da gestão do tempo de vida da classe trabalhadora. A professora Laura Senna considera que a PEC trouxe à tona uma das lutas mais centrais de nossa sociedade: uma luta sobre o tempo. Apesar de ser a matéria-prima da vida, diz a docente, o tempo hoje tem sido colonizado por uma lógica utilitarista, instrumental e adoecedora de desempenho.

“Os trabalhadores são obrigados a trabalhar o tempo todo, para ter o mínimo ou para ter um pequeno extra. Isso significa que não sobra tempo para lazer, cultura, estudo, descanso, sono, família, afetos, diversão, quer dizer, para a vivência de uma subjetividade e de uma experiência coletiva independente. Não é possível passar uma vida inteira sonhando com a aposentadoria para, então, conseguir descansar. O tempo de vida não pode ser privilégio de alguns. É preciso democratizar o tempo livre, para melhorar o bem-estar e a qualidade de vida de todos”, defende Laura.

Enclausurar trabalhadores em uma jornada de trabalho sufocante também dificulta que sobre tempo e energia para a organização sindical e política. Assim, para a docente do curso de Ciências Sociais, a forma como o trabalho hoje está estruturado gera um efeito disciplinador.

E como a categoria docente se insere neste debate?

Embora o fim da escala de trabalho conhecida como 6x1 afete prioritariamente as e os trabalhadores da iniciativa privada – e, dentre esses, aqueles concentrados no setor de comércio e serviços -, essa é uma pauta a ser defendida por todos os trabalhadores, inclusive os docentes das universidades federais. Tanto por uma questão de solidariedade de classe, quanto por abrir brechas para se discutir as jornadas extenuantes e a sobrecarga de trabalho observadas também na docência. É o que pondera Laura Senna, a quem vem preocupando a intensificação do trabalho docente, gerada, sobretudo, pela falta de contratação de pessoal, resultado de uma lógica que objetiva enxugar, cada vez mais, o Estado brasileiro.

“No âmbito da educação pública, é muito perigoso o discurso da racionalidade da eficiência associada à redução de custos. Educação de qualidade é feita com corpo docente e técnico administrativo com condições de trabalho satisfatórias, com investimento e com infraestrutura adequada. Não adianta reduzir/enxugar pessoal e achar que o resultado será positivo. A redução de pessoal acaba intensificando o trabalho de quem fica: trabalha-se mais no mesmo número de horas”, reflete a professora.

E, assim como ao longo da história os trabalhadores ousaram perspectivar jornadas mais enxutas, salários mais dignos e condições de trabalho adequadas, é possível, hoje, que o movimento sindical docente abrace vigorosamente tais pautas.

“E por que não poderia ser: trabalhar num ritmo humano adequado, com jornada reduzida, e ter um maior número de trabalhadores/as (docentes e técnicos)? O fundamento da discussão da PEC contra a escala 6x1 é de total interesse do corpo docente. Essa é uma questão importante a ser pautada pelo nosso movimento sindical. Trata-se de uma pauta que não é de uma categoria ou outra e sim de interesse da coletividade dos trabalhadores”, defende Laura Senna. Ela ainda frisa a importância de a redução de jornada sem redução de salário seja garantida por lei e não de forma fragmentada, a partir de acordos e convenções negociadas.

O caminho a ser percorrido pela PEC – Embora já tenha alcançado os votos necessários para começar a tramitar no Congresso, a proposta só deve ser protocolada no início do próximo ano, conforme notícia divulgada no site da CNN Brasil. O objetivo é alcançar mais assinaturas, tornando o projeto mais robusto para tramitar.

Após protocolada, a PEC deve ser encaminhada à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e a uma comissão especial da Câmara de Deputados, que avaliarão o mérito do texto e poderão sugerir alterações. Posteriormente, a proposta enfrentará dois turnos de votação em plenário e, para seguir adiante, deve garantir um mínimo de 308 votos. Se aprovada na Câmara, segue para o Senado. Sendo aprovada nas duas Casas, a PEC entrará em vigor 360 dias após sua promulgação, garantindo um período de transição para que os empregadores se reorganizarem.

Guiomar Vidor diz que a luta no Legislativo não será fácil, pois empresariado e setores conservadores devem jogar “pesado” para evitar que a proposta avance. No entanto, com mobilização social e pressão junto ao parlamento, ele acredita ser possível perspectivar uma vitória.

“A sociedade brasileira amadureceu e a classe trabalhadora não aguenta mais esta corda esticada de regressão das conquistas trabalhistas. No Brasil, onde o tempo de trabalho em geral é longo e o salário muito curto, este anseio histórico da classe trabalhadora ganha corpo na luta pelo fim da extenuante jornada  e da escala 6x1,  levando  esta pauta  ao centro do debate político nacional, do qual o governo e o congresso deverão se posicionar [...] nós estaremos mobilizando a sociedade, pressionando o parlamento e colocando a público os argumentos que justificam a adoção desta medida”, comenta o dirigente.

Laura Senna pondera que o Congresso Nacional é composto por uma maioria de políticos favoráveis às reformas que penalizam os trabalhadores e contrários ao aumento da protetividade no trabalho. Apesar disso, ela acredita que a proposta pode repercutir bem mesmo entre políticos mais conservadores, pois vem angariando popularidade junto à opinião pública, o que pressionaria os parlamentares. "Trata-se de uma proposta republicana nos marcos do trabalho decente e da dignidade humana”, conclui.

 

 

Texto: Bruna Homrich

Fotos: Nathália Costa

Assessoria de Imprensa da Sedufsm

 

 

 

 

 

 

 

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