Nova normalidade climática exige que nos adaptemos para sobreviver
Publicada em
21/02/25
Atualizada em
21/02/25 16h11m
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Recentes ondas de calor extremo e enchentes de maio do ano passado são duas faces de um mesmo cenário climático

Do ano passado para cá, o Rio Grande do Sul tem estampado manchetes nacionais por motivos não exatamente louváveis. Após as enchentes de abril e maio de 2024, que vitimaram fatalmente 183 pessoas, deixaram 27 desaparecidos e desaparecidas, desalojaram mais de 500 mil famílias e geraram um prejuízo econômico de R$ 87 bilhões ao país, o ano de 2025 já iniciou fazendo gaúchos e gaúchas apertarem o botão de emergência.
No dia 10 de fevereiro de 2025, Porto Alegre era, pela segunda semana consecutiva, a capital mais quente do país. Um pouco antes, em 4 de fevereiro, a cidade de Quaraí, situada na fronteira oeste do estado, foi a mais quente do país, com os termômetros marcando 43,8ºC.
Em uma tentativa de compreender por que nossas cidades vêm superaquecendo tanto e por que a vida no sul do Brasil tem registrado cada vez mais momentos sôfregos, a Assessoria de Imprensa da Sedufsm ouviu dois professores da UFSM que estudam fenômenos climáticos e os questionou a respeito dos extremos climáticos, da maior intensidade e frequência de catástrofes ambientais e das projeções para o futuro, caso o cenário climático não conheça mudanças significativas.
A nova normalidade climática
Docente do departamento de Física da UFSM, com formação em Meteorologia, Vagner Anabor atesta que o aquecimento global está conduzindo o planeta para uma nova normalidade climática, caracterizada pelo aumento de eventos extremos. Para sobreviver em tal realidade, diz o docente, será exigida muita adaptação.
“Após a revolução industrial, a queima de combustíveis fósseis tem liberado quantidades substanciais de gases estufa, resultando no aquecimento global e na quantidade de energia disponível no sistema terrestre. Isso estressa a dinâmica do sistema natural causando mais eventos extremos na tentativa de reestabelecer o equilíbrio. De uma forma mais simples, mais gases estufa = mais energia/calor no sistema terrestre = mais eventos climáticos extremos”, explica Anabor.
Dentre os gases estufa, o principal é o Dióxido de Carbono (CO₂), responsável por cerca de 60% do efeito estufa e originado majoritariamente da queima de combustíveis fósseis (carvão, petróleo, gás natural), do desmatamento e das queimadas. Seus efeitos são cumulativos pois, após liberado, esse gás permanece na atmosfera por até mil anos.
Frente à maior intensidade e frequência das catástrofes ambientais do país, as e os militantes pelo clima têm endurecido suas críticas à perfuração de poços em busca de Petróleo na Bacia da Foz do Amazonas. Ambientalistas argumentam que a vasta biodiversidade da região, a exemplo do maior cinturão de manguezais do mundo, pode ser gravemente afetada com a exploração econômica.
A relação dessa disputa no norte do Brasil com o cenário climático no Rio Grande do Sul não é tão difícil de ser realizada, já que os extremos climáticos são ocasionados pelo aquecimento global, proveniente, em sua maioria, da queima de combustíveis fósseis. Nesse sentido, a urgência de uma transição energética, que substitua gradualmente os combustíveis fósseis por fontes renováveis, coloca-se na ordem do dia.
Tanto as enchentes do ano passado, quanto as ondas de calor sufocantes deste mês de fevereiro, guardam relação direta com o aquecimento global, como explica Anabor:
“Os efeitos do aquecimento global também impactam as circulações de grande escala. Aqui na região subtropical, nessa faixa de latitudes, passam ondas atmosféricas que causam as variações nas condições de Tempo caracterizadas pelas passagens de frentes e tempestades, alternadas por períodos secos. Por vezes, no Oceano Pacífico, na costa do Chile, ocorre a formação de circulações anômalas que bloqueiam e desviam essas ondas para regiões próximas do Polo Sul. Então, se isso acontecer, e nós estivermos em uma situação de chuva, como a ocorrida em maio de 2024 durante o desastre, a condição de chuva fica predominante até que o sistema de bloqueio se desfaça e as ondas voltem a passar por aqui. Agora, o desvio do escoamento nos deixa em uma situação permanente de tempo seco e estável, permitindo a elevação das temperaturas. Quando este quadro persiste por longos períodos, nós observamos picos extremos de temperatura”.
Se não colocado um freio nas condições que levam ao aquecimento global, as previsões são de aumento da elevação do nível médio do mar causada pelo derretimento do gelo das montanhas; ondas de calor e eventos de precipitação extrema que resultarão em enchentes e inundações repentinas. Essas projeções são feitas pelos meteorologistas cientistas do clima que, anualmente, divulgam seus resultados em um relatório do Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas [IPCC].
“Em um cenário de baixas emissões de gases estufa, espera-se que a elevação da temperatura média seja limitada a 1,5ºC relativamente aos níveis pré-industriais. Mas em um cenário de altas emissões, esse valor pode chegar a 4,5ºC. A faixa de 1,5ºC poderia já ser atingida em 2030. Olhando o número de forma isolada pode parecer pouco, mas esse crescimento na temperatura média global ocorreria acompanhado de eventuais picos de temperatura acima de 45ºC em áreas que já são quentes. E a tentativa de equilibrar poderia resultar em ondas de frio extremo. Os consequentes impactos na chuva também seriam desastrosos”, projeta Anabor.
Brasil deve ser protagonista na transição energética
Para a vice-presidenta da Sedufsm, Liane Weber, é urgente o investimento na transição energética e o Brasil tem condições de estimular o uso de fontes de energia mais ecológicas, como a solar e a eólica. “Além disso, temos a maior floresta tropical do mundo, o que nos coloca com responsabilidade social frente às questões climáticas. Podemos assumir protagonismo em relação a isso”, defende Liane.
Ela, que é docente do departamento de Engenharia Rural da UFSM, acredita que o movimento sindical não pode ficar de fora do debate sobre a emergência climática, uma vez que a qualidade de vida e de trabalho vêm sendo afetadas. Assim, os sindicatos devem buscar unidade com outros setores sociais para fortalecer a luta por justiça climática.
“A atuação sindical deve ser na defesa da transição para energias renováveis, eficiência energética e redução de emissões, assim como no fortalecimento da infraestrutura de transporte e urbana, e o estímulo à produção com práticas responsáveis. Temos que ter atuações macro e micro. Do ponto de vista micro, o estímulo à revisão de nossas práticas, como propusemos na campanha Seja Sedufsm, transforme o mundo. E, neste sentido, o GTPAUA pode nos trazer proposições. E do ponto de vista macro, na unificação da luta com outros setores sociais”, diz a docente. O GTPAUA por ela referido é o Grupo de Trabalho de Política Agrária, Urbana e Ambiental do ANDES-SN, com atuação também na base da Sedufsm.
As cidades estão preparadas para o calor extremo?
Ainda que a pauta da justiça ambiental venha conquistando uma posição fundamental junto aos movimentos políticos, que clamam pela transição energética e por uma relação menos predatória entre humanidade e natureza, fato é que boa parte do estrago já foi feito e hoje já sentimos suas consequências.
Assim, é preciso pensar, também, em mitigação do sofrimento e em garantir o mínimo de qualidade de vida para as e os trabalhadores da cidade, bem como crianças e idosos que acessam os espaços públicos.
Cássio Arthur Wollmann, professor do departamento de Geociências da UFSM e coordenador do Laboratório de Climatologia Ambiental e Subtropical (LaCAS), diz que a organização das cidades vem caminhando no sentido oposto ao necessário para enfrentar as severas mudanças climáticas. As questões mais básicas que deveriam ser respeitadas no espaço urbano para que o deslocamento pela cidade fosse um pouco mais suportável em dias de calor são aquelas que aprendemos desde a escola: mais áreas verdes, mais arborização urbana, mais “blue spaces” (espaços azuis) como chafarizes e fontes.
“São medidas que antigamente se tinham nas cidades. Se a gente viaja para cidades mais antigas, até mesmo aqui em Santa Maria, ali na Praça Central, na Saldanha Marinho, tem um chafariz, mas há quantos anos aquele chafariz não funciona, né? Chafarizes são medidas mitigadoras de amenizar o calor das cidades”, comenta Wollmann.
Tão importante quanto árvores, diz o docente, é a garantia de ventilação, de forma que não adianta encher a cidade de árvores e, ao mesmo tempo, de prédios que bloqueiam a circulação de ar. E o vento, explica, é condição fundamental para o conforto térmico.
“Se você está a 30 graus de temperatura caminhando na rua sem vento, é um sufoco, mas com vento, mesmo com 30 graus, é mais agradável de caminhar, porque o vento traz o conforto, limpa a nossa pele do suor e tem uma condição vasodilatadora. Então precisamos arborizar planejadamente, mas expandir a cidade sem que isso gere um bloqueio dessa circulação de ar”, comenta.
Outros incrementos necessários nas cidades frente às ondas de calor extremo são pavimentos com maior inércia térmica. O docente da Geociências explica que, ao invés de asfalto e concreto, existem hoje pisos mais tecnológicos que evitam que o calor se espalhe em demasiado.
“A gente vê cada vez mais prédios, condomínios fechados e calçamentos, enfim, tudo coisas que vão ao oposto disso tudo. E localmente, em termos de residência, a gente tem adaptações, né, mas daí infelizmente ainda é um mercado muito caro e a maior parte da população brasileira não consegue investir em materiais que sejam mais apropriados ao clima. As nossas casas são construídas com tijolos, com concreto, com cimento, com telhas, coisas que são totalmente não adaptadas ao nosso tipo de clima. Infelizmente vivemos num país de condições precárias, então as pessoas compram aquilo que dá, e comprando aquilo que dá para construir a sua casa, geralmente é material que é péssimo do ponto de vista de conforto térmico”, pondera Wollmann.
Negligência do poder público
Wollmann costumava dizer para seus alunos e alunas que, quando as estiagens observadas entre os anos de 2020 e 2024 acabassem, iríamos presenciar as maiores enchentes da história do Rio Grande do Sul. A afirmação não vinha de um exercício de futurologia ou especulação, mas de métodos de previsão bastante eficazes que teriam permitido, sim, ao poder público, um poder de previsibilidade maior e, consequentemente, uma ação mais rápida e efetiva no enfrentamento às destruições causadas pelas enchentes.
Quando questionado sobre se as enchentes e as ondas de calor extremo são duas faces de um mesmo cenário climático, o docente responde afirmativamente.
“Nós vivemos num estado que está localizado numa região climática de clima subtropical, numa latitude de mais ou menos 30 graus, num contexto de continente, de hemisfério sul, em que sim, nós podemos vivenciar extremos de chuva e extremos de estiagem. Essas estiagens e enchentes são previstas com uma certa antecedência, não é nada tão, vamos dizer assim, surpresa. Seis meses antes já se sabia que o outono de 24 teria grandes enchentes. Os métodos de previsão são bem eficazes, então o que há é uma negligência do poder público em relação a tudo isso. E essa estiagem, esse calor que nós estamos vivendo agora, já estava previsto em julho do ano passado”, afirma Wollmann.
Ele acrescenta que o clima do Rio Grande do Sul apresenta desvios – popularmente chamados de extremos - de chuva e temperatura muito maiores que outras regiões do país, pois essa é uma característica natural do nosso clima. Contudo, existe previsibilidade para isso. Não é como se o poder público trabalhasse no escuro. As universidades, diz o docente da UFSM, vêm alertando há tempos sobre esse cenário.
“Nós da universidade trabalhamos com isso há décadas, temos acesso a esses dados há décadas, ensinamos isso para nossos alunos há décadas, e falamos com vocês da mídia também, sempre de uma forma muito aberta em relação a isso. Mas quando essas informações chegam no poder público, elas morrem, e aí a gente assiste a isso. Ondas de calor aconteceram sempre e tendem a acontecer com mais intensidade, então falta o quê? Falta o poder público levantar, arregaçar as mangas e botar em prática políticas de amenização, de contenção de cheias, de evacuação em momentos necessários. Tudo isso já se sabe. Falta essa vontade de quem administra o Estado e os municípios”, critica Wollmann.
Aulas na rede estadual suspensas
Se as cidades não estão preparadas para as ondas de calor extremo, tão pouco as escolas estão. Na iminência do retorno às aulas na rede estadual de ensino do Rio Grande do Sul, em 10 de fevereiro, o Cpers-Sindicato obteve decisão liminar junto ao Tribunal de Justiça do estado para que, em razão das altas temperaturas, o retorno letivo fosse adiado. Embora essa decisão tenha sido revertida pelo governo do estado, fato é que a repercussão lançou luz sobre a precariedade das condições estruturais das escolas.
Maíra Couto, diretora geral do 2º núcleo do Cpers-Sindicato, contou, em entrevista à Sedufsm, que, na semana anterior ao retorno das e dos alunos, as e os professores e funcionários estavam em formação nas escolas e já sentiram a dificuldade de trabalhar com o calor.
“Soubemos que teve professor passando mal, desmaiando. Então, com a chegada dos alunos, isso provavelmente iria acontecer ainda mais. Além do que, tem estudos que apontam que a capacidade cognitiva diminui em meio ao calor”, disse a dirigente. De fato, em entrevista ao portal Repórter Brasil, a neurocientista Lívia Ciacci diz que, em situações de calor extremo, o corpo elimina mais água para controlar a temperatura, levando a uma circulação mais superficial, dilatação de vasos e aceleração da respiração. “É como se a gente entrasse em um estado de alerta, em que o bem-estar do corpo é prioridade e tudo o que é secundário perde importância”, disse a especialista. Concentração e raciocínio seriam, então, rifados.
Maíra Couto explica que as necessidades estruturais variam de escola para escola. “No geral a rede elétrica é antiga e não suporta ligar ar-condicionado, em alguns lugares não aguenta nem mesmo ventilador... a rede elétrica cai e em alguns lugares até estoura, deixando as educadoras e estudantes em perigo”, comenta.
Ao levar este problema para o coordenador da 8ª CRE [Coordenadoria Regional de Educação], o sindicato ouviu que um engenheiro elétrico iria analisar as instalações das escolas. Contudo, Maíra diz que já há relatos de diretores e diretoras de escola recebendo negativa sobre a visita do engenheiro e sendo orientados a contratar profissionais por fora, com um custo muito alto.
“No final a gente sabe que essa precarização é uma política para justificar a privatização das escolas. Já tem um projeto que entrega 99 escolas estaduais para a iniciativa privada gerir a sua estrutura”, critica a dirigente e professora estadual em Santa Maria.
A situação das escolas estaduais faz-nos questionar, também, se a UFSM está preparada para enfrentar ondas de calor extremo. Caso as aulas na instituição fossem retornar nos primeiros dias de fevereiro, será que também não seria necessário solicitar suspensão de atividades?
Temos árvores suficientes, espaços azuis ou outras alternativas ecológicas que garantam um arrefecimento do campus? Como estão as salas de aulas, laboratórios e demais instalações coletivas - Restaurante Universitário, União Universitária, Casas do e da Estudante, auditórios? Há ventilação, ar-condicionado, bebedouros suficientes? O campus prevê espaços para que as e os trabalhadores terceirizados possam ter um intervalo de descanso à sombra, sem ser as curtas abas dos prédios? De que forma a UFSM vem discutindo essas questões e que posição esse tema deve ocupar inclusive na agenda das e dos candidatos à futura gestão da Reitoria?
Em nossa próxima Reportagem Especial, buscaremos trazer respostas para esses questionamentos.
Texto: Bruna Homrich
Foto 1: Fernando Frazão/Agência Brasil
Foto 2: Juca Varella/Agência Brasil
Assessoria de Imprensa da Sedufsm
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