Dados desmentem tese de que Estado brasileiro é inchado e cheio de supersalários
Publicada em
11/07/25
Atualizada em
11/07/25 20h44m
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Ainda assim, Reforma Administrativa volta à tona no Congresso Nacional e mobiliza novamente o movimento sindical

Em 9 de outubro de 2016, o repórter José Fucs comparava, em reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, o Estado brasileiro a um mamute, lançando mão dos adjetivos “gigante, pesado e lerdo” para justificar a aproximação entre a máquina estatal e o animal já extinto. Logo mais abaixo no texto, ele sugere: “hoje, talvez, nada simbolize tanto o peso que a sociedade tem de carregar para manter o mamute em pé quanto o funcionalismo e seus privilégios”. O restante são um punhado de parágrafos defendendo que o Brasil possui servidoras e servidores públicos em excesso, culpados por receber aumentos salariais bem acima da inflação e pesar sob os ombros da população.
Ainda que o texto citado acima seja de 2016, quase dez anos atrás, o discurso que ilustra o Estado brasileiro e, por consequência, suas servidoras e servidores públicos federais, permanece. E é ele que vem alicerçando as defesas em torno da Reforma Administrativa, tema que assombra o funcionalismo pelo menos desde 2020, quando o então presidente Jair Bolsonaro encaminhou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32 ao Congresso Nacional.
À época soterrada pela mobilização do movimento sindical e dos movimentos sociais, a Reforma retornou em 2025, alcançando status de prioridade recentemente, por movimento de Hugo Motta (RS-PB), presidente da Câmara dos Deputados, que espera votar o texto em plenário antes de 17 de julho, quando inicia o recesso parlamentar. Para dar celeridade à tramitação, ele reativou o Grupo de Trabalho (GT) da Reforma, dando um prazo de 45 dias – que se encerra na próxima terça-feira, 15 de julho, para que o grupo apresente os temas da reforma e os instrumentos legais mais adequados para abordá-los.
Embora Pedro Paulo (PSD-RJ), deputado que coordena o GT, diga que a PEC 32, denunciada há alguns anos como uma medida de flexibilização da estabilidade da e do servidor público e de precarização dos serviços públicos, não balizará as discussões atuais, já se fala em avaliação de desempenho como critério para progressão e promoção na carreira. Não obstante, ainda, o verniz inicial de pretensa positividade concedido à Reforma, que não viria para enxugar o Estado e sim para melhorá-lo, a ministra da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), Esther Dweck, disse, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo nesta terça, 8 de julho, que a reforma gerará economia sim, e a partir, justamente, do enxugamento estatal.
“Desde 2010, a gente teve uma saída de mais de 240 mil servidores. E a gente repôs uma parte; mas, ainda assim, houve uma perda líquida de mais de 70 mil pessoas. A gente vai repor 15 mil. A nossa estimativa para frente é uma saída de uns 180 mil nos próximos dez anos. E a gente acha que não vai repor nem um terço disso, porque o efeito da digitalização é a necessidade de menos pessoas”, disse a ministra ao jornal.
Cabe destacar que a ofensiva de Motta com a Reforma Administrativa veio num contexto de disputa entre Executivo e Congresso acerca do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Em maio deste ano, o Planalto editou decreto que anunciava mudanças nas alíquotas do Imposto com o objetivo de aumentar a arrecadação, contudo, a medida foi revogada pelo Congresso.
"O decreto do IOF corrige uma injustiça: combate a evasão de impostos dos mais ricos para equilibrar as contas públicas e garantir os direitos sociais dos trabalhadores", escreveu, em sua conta na rede social X, o ministro da Fazenda Fernando Haddad.
A oposição ao decreto de aumento do IOF foi protagonizada principalmente por partidos como o Progressistas (PP) e o União Brasil. O presidente do último, inclusive, fez uma declaração que deixa clara a intenção de não taxar quem tem mais dinheiro, e sim enxugar o Estado: “Taxar, taxar, taxar, não pode e não será nunca a saída. É preciso cortar despesas [...] Se o governo não assumir sua parte e apresentar propósitos reais de enxugar essa máquina pesada e pouco eficiente, nós não vamos aceitar entregar essas contas ao brasileiro”, afirmou Antonio Rueda.
O estado brasileiro é inchado mesmo?
Segundo dados divulgados pela Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), 12% da força de trabalho no Brasil é composta por servidoras e servidores públicos. Essa porcentagem é inferior à verificada em países próximos, como Argentina (19,31%) e Chile (13,10%), e ainda menor quando comparada aos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), cuja média é de 23,48%. Na França, 20,28% da força de trabalho é composta por servidoras e servidores; no Reino Unido, esse número sobe para 22,63% e, na Dinamarca, atinge a marca de 30,22%.
Everton Picolotto, presidente da Sedufsm, pondera que somente esses dados já demonstram que a máquina pública brasileira não é inchada ou cara demais. “O serviço público é aquém do que é necessário, tendo em vista as dimensões continentais do nosso país e os enormes desafios de atender a população. Então, ao contrário do que se diz, falta servidores e recursos para equipar melhor os serviços públicos, sejam em áreas de saúde, educação ou segurança”, argumenta o dirigente. Ele dá como exemplo a situação das universidades, carentes de verba e sucateadas em vários aspectos. Enquanto o Brasil destina 13% de seu Produto Interno Bruto (PIB) para os serviços públicos, os países da OCDE aportam 17%.
Quanto ao argumento de que o Brasil gasta muito com o pagamento de seu funcionalismo, os dados também apresentam outro cenário. Conforme noticiado no site da Condsef, há 24 anos o país investe menos que o permitido em salários e direitos de servidoras e servidores públicos federais. Segundo a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o governo poderia ter investido, em 2024, até 715 bilhões e 18 milhões de reais em mão de obra para execução de garantias sociais (saúde, educação, segurança e políticas públicas). Contudo, o Executivo empenhou apenas 25,58% do valor permitido: R$ 365 bilhões e 822 milhões de reais.
Isenções fiscais e taxação dos mais ricos
Se a demanda é gerar economia aos cofres públicos, talvez a estratégia não deva passar por suspender concursos públicos, atacar o direito à estabilidade ou congelar salários. Dados da Receita Federal apontam que as renúncias fiscais concedidas pelo governo federal devem totalizar, em 2025, R$ 544 bilhões, representando 4,4% do PIB. Isso tudo é dinheiro que deixa de se arrecadar de empresas e determinadas pessoas físicas.
Se esse valor é comparado com o trazido um pouco mais acima, concluímos que o valor das isenções em 2025 será superior ao que o governo gastou em 2024 para pagar suas servidoras e servidores.
Outra medida que poderia gerar desafogo financeiro seria a taxação das e dos mais ricos. Se o Estado brasileiro taxasse em 2% a riqueza dos 0,1% mais ricos, passariam a entrar R$ 41,9 bilhões por ano nos cofres públicos.
Existem supersalários no serviço público?
Existem. Mas correspondem a apenas 0,3% das servidoras e servidores, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - PNAD Contínua de 2023. Essa era a porcentagem do funcionalismo que recebia salários acima do teto estabelecido pela Constituição Federal.
Os outros 99,7% de servidoras e servidores públicos não recebem os chamados supersalários, tão utilizados como argumento por quem defende ser necessário esmagar o tal mamute e torná-lo um elefantinho de mesa, oco e decorativo.
“A grande maioria dos servidores públicos trabalha muito e ganha menos que trabalhadores da iniciativa privada. Quando se fala em supersalários, é apenas uma ínfima minoria, especialmente de alguns poderes, como o Judiciário e poucos no Legislativo, que ganham acima dos tetos constitucionais usando artifícios de alguns penduricalhos. Nesse ponto de vista a gente é favorável que esses supersalários sejam limitados, mas deixando claro que é uma ínfima minoria de servidores públicos que têm esses salários. A grande maioria ganha pouco”, disse Picolotto.
Frente a esses dados, a Reforma é o caminho?
Na última terça-feira, 8 de julho, a Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público manifestou, em forma de nota, “profunda preocupação com os rumos da Reforma Administrativa em debate na Câmara dos Deputados”. Ativa desde 2007, porém relançada em 2023, a Frente é composta por deputados, deputadas, senadores e senadoras que se contrapõem às propostas legislativas que ameacem os serviços públicos e seus trabalhadores e trabalhadoras.
Na nota desta semana, o grupo diz que o GT da Reforma Administrativa, coordenado pelo deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), “revela fragilidades estruturais e riscos institucionais que ameaçam a administração pública e o pacto democrático brasileiro”.
Dentre os problemas estariam a falta de representatividade, uma vez que o GT exclui partidos relevantes e desrespeita a proporcionalidade partidária, comprometendo a legitimidade do processo; o prazo insuficiente, pois a previsão de conclusão até julho inviabiliza um debate técnico e democrático sobre temas estruturantes; o risco de esvaziamento do Parlamento, uma vez que a vinculação à PEC 32/2020 pode restringir o exercício pleno dos mandatos parlamentares e impedir contribuições fundamentais; a participação limitada, com ausência de mecanismos efetivos de escuta da sociedade civil e das servidoras e servidores públicos; as contradições e ambiguidades, já que há propostas que precarizam vínculos e flexibilizam a estabilidade; o ajuste fiscal disfarçado, pois “a retórica de eficiência pode encobrir cortes de direitos e redução da capacidade estatal”, e a falta de salvaguardas institucionais. Leia a íntegra da nota aqui.
Para Everton Picolotto, o retorno da reforma administrativa vai na contramão da discussão nacional sobre a necessidade de corrigir distorções como a que isenta os super-ricos do pagamento de impostos e onera a maioria da população, composta por trabalhadoras e trabalhadores
“Essa é uma distorção real. Nosso Congresso Nacional parece que não quer discutir isso e tem enfrentado de forma bastante dura essa pauta, mas a população quer isso. A gente vê as pesquisas de opinião e os movimentos na rua reivindicando que o rico tem que pagar imposto sim, tem que contribuir com a carga tributária para garantir os serviços públicos e as políticas sociais, e os trabalhadores e trabalhadoras devem progressivamente pagar menos. Então acho que essa é uma pauta extremamente importante nos tempos atuais para resolver, em partes, os problemas fiscais do Estado. Somos favoráveis à isenção do imposto de renda até R$ 5 mil, que é uma pauta que está no Congresso, por uma questão de justiça social e tributária”, defende o presidente da Sedufsm.
Jornada de Lutas contra a reforma
Desde o dia 1º até o dia 14 de julho, entidades de servidoras e servidores públicos federais, incluindo o ANDES-SN, realizam Jornada de Lutas contra a Reforma Administrativa. Na terça, 8 de julho, ocorreu, no auditório Nereu Ramos da Câmara dos Deputados, o Seminário sobre a Reforma Administrativa, realizado pela Frente Parlamentar em Defesa do Serviço Público. Já na quarta, 9 de julho, houve mobilização enquanto ocorria audiência do GT da Reforma no Anexo II da Câmara.
Na quinta, 10, foi registrado ato em Brasília intitulado "Congresso Inimigo do Povo" e, para a próxima segunda-feira, 14, é esperado um ato contra a Reforma Administrativa, a partir das 9h, com concentração no Anexo II da Câmara dos Deputados.
Quem desejar pode ver na íntegra, abaixo, o Seminário sobre a Reforma Administrativo ocorrido na terça, 8.
Texto: Bruna Homrich, com a colaboração de Fritz Nunes
Arte: Italo de Paula
Assessoria de Imprensa da Sedufsm
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