Docentes apontam principais retrocessos do PL da Devastação
Publicada em
18/07/25
Atualizada em
18/07/25 18h18m
494 Visualizações
Sedufsm reforça campanha nacional que pede veto de Lula a projeto

Na madrugada da quinta-feira, 17 de julho, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei (PL) nº 2159, conhecido entre os ambientalistas como “PL da Devastação”. Isso porque enfraquece a legislação ambiental brasileira, simplificando e acelerando os ritos necessários para a obtenção de licença ambiental, inclusive quando o empreendimento for efetiva ou potencialmente causador de degradação ao meio ambiente.
A votação, além de ocorrer na madrugada, se deu de forma online. O projeto recebeu 267 votos favoráveis e 116 contrários. Uma vez que já foi aprovado no Senado, segue agora para sanção ou veto presidencial, o que tem de acontecer nos próximos 15 dias
Para Liane Weber, vice-presidenta da Sedufsm e docente do departamento de Engenharia Rural da UFSM, a votação ocorreu de forma sorrateira, indicando a necessidade urgente que parlamentares tinham de aprovar um projeto polêmico, cujas bases técnicas não estão respaldadas na ciência acadêmica e nas instituições que trabalham no dia a dia com as políticas ambientais.
“Nós sabemos que as votações em plenário nos permitem debates que tenham uma crítica mais aprofundada, em que se possa fazer um contraponto e, dessa maneira, por mais que as deputadas e deputados já venham com uma indicação de voto pelas suas bases (ou pelo menos assim deveriam), o diálogo permite repensar certos conceitos”, pondera Liane, criticando o fato de a votação ter ocorrido por meio virtual.
A docente explica que o Brasil já possui um conjunto de leis, reconhecidas inclusive mundo afora, responsáveis por proteger a natureza. Ainda assim, comenta, há dificuldades nas fiscalizações e nas liberações das licenças para a operação de certos empreendimentos. Dessa forma, a necessidade não seria de mexer nas leis, mas de aprimorar a forma como são executadas.
“Há uma sobrecarga muito grande junto ao Estado e, principalmente, a alguns municípios, na questão dos licenciamentos. E essa sobrecarga não é à toa que foi permitida, é para que o sistema se mostre ineficaz. Então, no momento em que as prefeituras ou os outros órgãos licenciadores não conseguem dar conta em tempo hábil dos processos de licenciamento, o sistema todo recebe uma crítica. Mas, na verdade, não são as leis, métodos ou técnicas que estão errados. O que nós precisamos é aguçar e melhorar muito o sistema de profissionais licenciadores e instituições licenciadoras para que não aconteça uma sobrecarga e uma dificuldade de se obter as licenças”, argumenta Liane, que não deixa dúvidas sobre a importância de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetar o projeto nos próximos dias.
Quais os pontos mais sensíveis do PL?
Josita Monteiro, docente do departamento de Ciências Florestais da UFSM, elencou, em entrevista à Sedufsm, aqueles que considera serem os pontos mais sensíveis do projeto aprovado na Câmara.
Em primeiro lugar, ela destaca a fragilização dos princípios da prevenção e da precaução, pilares do direito ambiental. “Ao flexibilizar procedimentos, dispensar licenças para determinadas atividades e impor prazos exíguos para a manifestação dos órgãos ambientais, o PL coloca em risco as especificidades e as vulnerabilidades dos diferentes ecossistemas brasileiros, cuja complexidade demanda análises técnicas criteriosas e compatíveis com os riscos envolvidos. Isso é agravado pelo fato de termos uma estrutura operacional dos órgãos ambientais insuficiente, que carece de corpo técnico e qualificação contínua para executar funções de licenciamento, fiscalização e monitoramento”, explica.
Outro ponto preocupante na avaliação de Josita é a previsão de autodeclaração dos empreendedores. Essa não é exatamente uma novidade, pois, como destaca a docente, alguns estados, a exemplo do Rio Grande do Sul, já utilizam esse mecanismo para alguns empreendimentos ou atividades. “Entretanto, haverá que se ter cuidado com o regramento de quem poderá ser beneficiado com esse mecanismo (“ficha limpa ambiental”), quais serão os empreendimentos e/ou atividades passíveis desse tipo de licenciamento, que condições ambientais e características do meio poderão ser empecilhos para ter esse benefício”, adverte.
Como um terceiro problema, a professora de Ciências Florestais cita o caráter generalista do projeto, algo comum às regras instituídas pelas União. Nesse sentido, as peculiaridades dos contextos regionais e ecológicos não são consideradas, de forma que tais especificidades devem ser tratadas nos estados. “Em razão disso, é de extrema importância a participação dos Estados quanto à implementação do licenciamento, uma vez que os mesmos podem ser mais restritivos e propor regras mais rigorosas que a União”, comenta.
O direito à poluição
Marta Tochetto é professora aposentada do departamento de Química, defensora da pauta ambiental e uma das principais fomentadoras da ampliação do debate acerca de uma política ambiental para a UFSM. Para ela, o ponto mais sensível da aprovação do Projeto de Lei nº 2159 é o direito à poluição e ao desmatamento, o que terá como consequência o agravamento da crise climática. A docente relembra tragédias ambientais como as de Brumadinho e Mariana, ambas cidades mineiras, e ainda os casos de derramamento de petróleo, sugerindo que, com uma maior flexibilização das leis ambientais, episódios como esses podem ser novamente registrados. As enchentes no Rio Grande do Sul, verificadas em 2024 e 2025, também tendem a se repetir, diz Marta.
“E eu fico muito impressionada que o agronegócio, que é o principal mentor deste projeto, exige que o governo financie seus prejuízos quando ocorrem secas e enchentes. Prejuízos que eles mesmos estão ajudando a aumentar. É uma incoerência absurda a gente pensar que quem se vangloria de produzir alimento, que, na verdade, são commodities, e exija do governo que assuma um papel em mitigar os seus prejuízos, seja o principal articulador deste processo”, critica a docente, e completa: “é impossível, tendo um pouco de bom senso, não se mostrar contrário à aprovação do projeto e preocupado com o futuro das gerações”.
A universidade frente ao desenvolvimento predatório
A mobilização das e dos ambientalistas agora é pelo veto de Lula ao projeto. Quanto à universidade, cabe a tarefa de seguir produzindo ciência comprometida com o desenvolvimento ético sustentável, firmando-se, cada vez mais, como um lugar de reflexão crítica. É no que apostam as professoras Josita e Marta.
“A universidade tem um papel crucial e insubstituível nesse cenário, tanto como produtora de conhecimento técnico e científico, quanto como espaço de reflexão crítica sobre os rumos do desenvolvimento nacional. É preciso lembrar que as universidades públicas têm contribuído historicamente com a construção de métodos, indicadores e protocolos capazes de orientar o licenciamento ambiental de maneira mais eficiente e justa, considerando os aspectos ecológicos, sociais e econômicos de cada território. No entanto, o que se observa atualmente é um desmonte dessa estrutura, com uma substituição do saber técnico pela lógica da desburocratização a qualquer custo, muitas vezes baseada em pressões políticas e econômicas de curto prazo”, diz Josita.
Embora tenham muito com que contribuir, as universidades não são convocadas a participar dos debates como o do PL da Devastação, pois, na avaliação da docente das Ciências Florestais, falta seriedade e comprometimento dos parlamentares com as questões ambientais. “Nos resta, como universidade, buscar atuar de forma mais assertiva nos espaços de construção de políticas públicas, propondo alternativas, questionando retrocessos e defendendo a ciência como base para as decisões estratégicas sobre o uso e a conservação do território brasileiro”, conclui Josita.
É importante que as universidades, além de produzir saber e ciência, firmem posição política contrária ao PL da Devastação. É o que defende Marta Tochetto, para quem estamos vivendo um dos momentos mais difíceis em relação à questão ambiental, com segmentos do setor produtivo se aliando à extrema direita e fazendo avançar o cenário devastador.
“As universidades, nesse contexto de desenvolvimento predatório, têm um papel super importante, que é desenvolver as pesquisas mostrando todos os prejuízos que essa aprovação vai trazer”, afirma.
68º Conad teve protesto contra PL da Devastação
No dia 13 de julho deste ano, docentes que estavam na Universidade Federal do Amazonas para participar do 68º Conad do ANDES-SN protestaram contra a aprovação do PL nº 2159. Cerca de 300 professoras e professores participaram da manifestação.
O Sindicato Nacional docente lançou, também, nota de repúdio à aprovação do PL e aderiu à campanha pelo veto presidencial ao projeto.
Texto: Bruna Homrich
Foto: Fritz Nunes
Arte: ANDES-SN
Assessoria de Imprensa da Sedufsm
Galeria de fotos na notícia
