Redução das desigualdades sociais passa pela justiça tributária
Publicada em
25/07/25
Atualizada em
25/07/25 16h21m
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Sedufsm apoia plebiscito que discute taxação das pessoas mais ricas e isenção de imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil

O ‘Plebiscito Popular’, que começou em julho e vai até setembro, trouxe à tona a discussão da justiça tributária. A votação, que é organizada por sindicatos e movimentos sociais, e tem o apoio da Sedufsm, debate a jornada de trabalho, com o fim da escala 6X1, sem redução de salário, e isenção de imposto de renda para quem ganha até R$5 mil, além da taxação dos super-ricos.
Mas, quando falamos em justiça tributária e estabelecemos uma relação com as desigualdades sociais, é importante situarmos o cenário global e também o nacional. Em 2022, o Relatório Mundial da Desigualdade, organizado pelo economista francês Thomas Piketty, revelou os números alarmantes das disparidades no mundo: “os 10% mais ricos detêm 76% da riqueza e 52% da renda, enquanto metade da população mundial fica com apenas 2% da riqueza e 8,5% da renda”.
Em relação ao Brasil, os dados também são expressivos. Conforme o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), órgão vinculado ao Ministério do Planejamento, o 1% mais rico da população detém 28,3% da renda, o que nos coloca como um dos países mais desiguais do mundo: o sexto, para ser mais exato, com 10 milhões de pessoas vivendo na extrema pobreza.
Quando olhamos para números brutos, o Brasil possui uma das mais altas cargas tributárias do planeta, que atinge 32,5% do Produto Interno Bruto (PIB). O problema é que, apesar dessa alta carga, ela não é distribuída de forma igualitária, mas ao contrário, penaliza quem tem menos recursos.
A reforma tributária aprovada pelo Congresso Nacional em 2023 e, parcialmente regulamentada, foi um passo importante na tentativa de diminuir a sobrecarga de impostos em cima do consumo, o que afeta diretamente trabalhadores e trabalhadoras. A regulamentação criou regras para a implantação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual — que compreende a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), federal, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), partilhado entre os entes federados, mas falta regulamentar a criação do Comitê Gestor do IBS, responsável por arrecadar o imposto.
A reforma tributária sobre o consumo simplifica o sistema, incluiu cashback e a isenção de impostos de produtos alimentícios.
Estudos do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da Universidade de São Paulo (USP) mostram que se o Estado brasileiro taxasse em apenas 2% a riqueza do 0,1% mais rico do país, isso geraria R$ 41,9 bilhões por ano aos cofres públicos.
Enquanto, atualmente, quem ganha acima de R$ 2.428,80 mensais já passa a ser devorado pelo Imposto de Renda - há proposta do governo federal de que a isenção suba para 5 mil reais-, os percentuais para quem ganha, por exemplo, acima de 50 mil reais, não é progressivo, ou seja, não vai aumentando gradativamente. Por outro lado, a isenção tributária a determinados setores da economia alcançaram, segundo dados da Receita Federal, a R$ 544 bilhões sem 2024, o que equivale a 4,4% de toda a riqueza produzida no país (PIB).
Vânia Paz, diretora da Sedufsm e professora de Direito do departamento de Administração da UFSM em Palmeira das Missões, ressalta que, em um país como o Brasil, os recursos para financiamento das políticas do governo e a sua distribuição advêm prioritariamente dos tributos.
A renda de trabalhadores e trabalhadoras, que é o seu salário, segundo previsto na Constituição, deveria ser o suficiente para as suas necessidades básicas e de sua família. Mas, como isso se efetiva na prática, questiona ela, e já na sequência responde: “Através de políticas públicas, que necessitam de recursos para o seu financiamento, como a saúde e a educação, previdência, etc. Logo, a relação entre distribuição de renda e tributos está intimamente relacionada aos recursos que irão ser arrecadados e distribuídos para financiar as políticas públicas governamentais para a redução da desigualdade”, analisa Vânia.
Assimetria e distribuição de renda
Para o professor aposentado do departamento de Ciências Econômicas e Relações Internacionais da UFSM, José Maria Pereira, existe uma relação assimétrica entre impostos e distribuição de renda. “Quando aumentam os impostos, são os pobres que pagam mais proporcionalmente, pois, como ganham menos, o peso da alta dos impostos, que eleva os preços, resulta em perda do poder aquisitivo maior entre os pobres e não para os ricos porque, para esses últimos, o peso dos produtos é proporcionalmente menor”.
Daniel Coronel, professor do departamento de Economia e Relações Internacionais da UFSM, lembra que o sistema tributário atual foi instituído em 1965 (ditadura militar), pela Emenda Constitucional nº 18 e, desde então, constata ele, “mudanças pontuais foram aplicadas, como na Constituição Federal de 1988, sem, todavia, alterar a estrutura do sistema”, que, no entanto, começou a ter uma reestruturação mais ampla, a partir da reforma tributária aprovada em 2023, mas que ainda tem itens que precisam ser regulamentados.
Janaina Nascimento, professora do departamento de Ciências Sociais da UFSM, avalia que o sistema tributário do país é baseado majoritariamente em impostos regressivos (*), o que significa penalizar os mais pobres e beneficiar os mais ricos, na medida em que os “super-ricos” contribuem menos.
Em termos concretos, explica ela, quem vive na extrema pobreza paga a mesma alíquota de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre um quilo de feijão que um indivíduo do topo da pirâmide social. A professora comenta que um estudo recente da Oxfam Brasil mostra que os 10% mais pobres pagam, em proporção à sua renda, três vezes mais tributos do que o 0,1% mais rico da população.
Dessa forma, argumenta Janaina, esse modelo reforça a concentração de renda, ampliando a desigualdade socioeconômica. “Em vez de cumprir uma função redistributiva — como ocorre nos Estados de Bem-Estar Social —, o sistema brasileiro intensifica a desigualdade”. Ela acrescenta que países como Alemanha, França, Suécia e Canadá adotam sistemas tributários progressivos, que reduzem desigualdades ao tributar mais os ricos e investir em políticas públicas universais.
No Brasil, ao contrário desses outros países, explica a docente, o índice de Gini (medida estatística que quantifica a desigualdade na distribuição de renda ou riqueza) da renda monetária aumenta após a tributação, segundo dados do IPEA, o que, segunda Janaina, evidencia a falta de correção estrutural e o aprofundamento das desigualdades. “Esse quadro compromete a mobilidade social, especialmente da população negra e, com ainda mais intensidade, das mulheres negras, que estão na base da pirâmide social, e que recebem em média os menores salários e comprometem a maior parte de seus rendimentos com o consumo básico e, consequentemente, com tributos, como o ICMS”, acrescenta.
Marcas da colonização
E de que forma essa situação de injustiça já destaca em números estruturou-se no Brasil? No que se refere à tributação, o professor de Economia da UFSM, Daniel Coronel, explica que ainda vivenciamos as heranças do período da colonização. E desde então, seguimos com uma estrutura “nefasta e concentradora que privilegia o grande capital em detrimento dos setores mais vulneráveis, que precisam de um apoio mais eficaz para poder se desenvolver autonomamente”, explica Coronel.
Em uma perspectiva semelhante, a professora do departamento de Ciências Sociais da UFSM, Janaina Nascimento, avalia que a estrutura do sistema tributário brasileiro tem origem em um modelo concebido como “instrumento de exploração colonial”, voltado à apropriação das riquezas locais e seu envio à metrópole portuguesa. Ela acrescenta que é “necessário reconhecer a estreita relação entre o passado escravista do país e a opção por um sistema tributário regressivo”. Segundo Janaina, essa não foi uma escolha fortuita ou meramente técnica, mas uma decisão coerente com uma ordem social baseada na escravidão, voltada à preservação de privilégios e à obstrução de qualquer forma de redistribuição de riqueza.
Nesse sentido, acrescenta a docente, consolidou-se um modelo que tributa mais o consumo do que a renda, mais os salários do que o capital, mais os pobres do que os ricos, ao mesmo tempo em que isenta lucros, dividendos e grandes heranças, perpetuando as desigualdades herdadas da estrutura social escravocrata.
De que forma alterar o injusto modelo tributário?
O modelo regressivo, afirma Vânia Paz, também é distorcido no que se refere à renda, pois paga mais Imposto de Renda (IRPF) quem ganha menos. Isso porque, explica ela, quem tem renda mais elevada paga alíquotas inferiores, ou pelo menos iguais àqueles que têm renda derivada do trabalho, o que explicita uma lógica que concentra o capital entre os que têm maiores rendimentos, além de garantir privilégios, como isenções sobre lucros das empresas e dividendos, contribuindo com a promoção e manutenção da desigualdade.
Vânia Paz cita ainda como importante as alterações na cobrança do Imposto de Renda, que migraria para um sistema progressivo, ampliando a isenção de quem ganha menos, e aumentando a cobrança de quem ganha mais. Contudo, enfatiza ela, ainda é preciso corrigir outras graves distorções, como a tributação das grandes fortunas.
Para o professor de Economia, José Maria Pereira, está claro que a saída para alterar o injusto modelo passa por diminuir a proporção de impostos indiretos e aumentar a proporção de impostos diretos na arrecadação do governo. “Isso configuraria maior justiça tributária, já que impostos que incidem sobre a renda se baseiam na premissa de que quem ganha mais deveria pagar mais impostos, inclusive para que o governo tenha mais recursos para programas sociais que beneficiem os pobres”.
Entretanto, Pereira faz uma ponderação em relação à forma de implementar esse tipo de mudança. “Isso só poderia ser feito de forma gradual, pois a substituição pura e simples de impostos indiretos por diretos (como o imposto de renda) resultaria em um encolhimento da base de arrecadação do governo, pois são justamente os pobres os que mais contribuem para o aumento da receita governamental.”
Sobre a taxação de super-ricos, o economista acredita que seja uma possibilidade, mas indaga: “é viável politicamente?”. Ele lembra que o presidente Lula não tem maioria no Congresso e, a todo o instante, precisa fazer negociações por causa do que chama de “chantagem das emendas” parlamentares.
Já para a professora Janaina Nascimento, do departamento de Ciências Sociais da UFSM, para a correção de todas as distorções elencadas, além da reforma tributária, ela cita como relevante a aprovação do Projeto de Lei 1087/2025, encaminhado pelo Governo Federal ao Congresso, que propõe a tributação dos ‘super-ricos’. Para ela, são propostas que representam uma medida crucial no enfrentamento da realidade enfrentada historicamente no país. “Pela primeira vez, há a possibilidade concreta de construção de um sistema mais justo e equitativo para a população brasileira”, frisa.
O papel do movimento sindical
Vânia Paz, diretora da Sedufsm, acredita que o movimento sindical tem papel fundamental na defesa de propostas como a da reforma tributária, buscando lutar para influenciar a reorganização do sistema, a efetivação do princípio de justiça tributária, tendo como foco a redução das desigualdades sociais, a arrecadação e distribuição dos recursos para efetivação das políticas públicas, como a saúde e a educação, com seus pisos constitucionais.
A docente da UFSM em Palmeira das Missões lembra que, ano passado, trabalhadores/as de Instituições Federais de Ensino realizaram uma greve, que entre suas pautas, trouxe questões orçamentárias, como a reinvindicação de recomposição do orçamento para o setor, demonstrando que o investimento em infraestrutura e material permanente nas Instituições Federais de Ensino Superior - IFES caiu 83,7% entre 2014 e 2023 de forma contínua, sendo que esta demanda ainda não foi atendida sob o argumento da austeridade fiscal.
Nessa perspectiva, acrescenta ela, a disputa pelo orçamento precisa andar de mãos dadas com a luta por um sistema tributário com justiça fiscal e eficiente, que gere mais recursos, aumentando a margem de negociação. “Tal desafio exige participação democrática do movimento sindical, acompanhamento do sistema em construção, mobilização e atuação permanente”, defenda Vânia.
Ela acrescenta ainda que uma das bandeiras importantes a ser levantada é que no caso do financiamento das políticas públicas, como saúde e educação, com seus pisos constitucionais, esses setores fiquem de fora dos programas de ajuste e contingenciamento dos governos.
Agrega-se a essa luta do movimento sindical e dos movimentos sociais em geral, uma iniciativa recente, que é o ‘Plebiscito Popular’. Para Vânia, a articulação dessa mobilização popular é importantíssima porque ocorre em paralelo aos debates em andamento no Congresso Nacional, podendo então, representar um apoio a propostas de justiça tributária e de correção de desigualdades, que enfrentam resistência de setores privilegiados e conservadores.
(*) Sistema tributário regressivo é aquele em que, quem ganha menos, é mais onerado, tendo em vista que a tributação incide mais sobre o consumo do que sobre a renda efetiva, o que representa o contrário de um sistema tributário progressivo.
Texto: Fritz R. Nunes com informações da Agência Senado
Imagens: Foto- Daniel Garcia; e banco de imagens
Assessoria de imprensa da Sedufsm
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