"A retomada é historicamente legítima, constitucional e cultural": comunicado oficial da retomada kaingang Ven Ga SVG: calendario Publicada em 28/07/25
SVG: atualizacao Atualizada em 28/07/25 17h23m
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Reafirmando o compromisso com a causa indígena, Sedufsm apoia a luta dos povos originários por terra, moradia e dignidade. Leia o comunicado na íntegra.

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A Sedufsm participou, na tarde da última quinta-feira, 24 de julho, de uma reunião com a comunidade indígena da retomada Kaingang Ven Ga. O encontro, realizado na área da antiga Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária (Fepagro), no distrito de Boca do Monte, em Santa Maria, reuniu movimentos sociais, sindicatos e partidos de esquerda com o objetivo de prestar solidariedade e articular formas de apoio à retomada Kaingang no local.

A comunidade está presente na área desde o dia 15 de julho. Diante das consequências da crise climática e da necessidade de garantir segurança e moradia, as famílias Kaingang pretendem permanecer no local, resgatando vínculos ancestrais com o território. A Sedufsm entende que é papel do sindicato apoiar as lutas dos povos originários por terra e dignidade. Por isso, reafirma seu compromisso com a causa indígena e reproduz abaixo, na íntegra, o comunicado oficial da retomada Kaingang Ven Ga:

 

Nós, lideranças Kaingang da Retomada VEN GA, da área da extinta FEPAGRO, no distrito de Boca do Monte, Santa Maria (RS), articulado pela Teia dos Povos, acompanhada de entidades, movimentos sociais e demais apoiadores, com base no disposto no artigo 231 e seguintes, da Constituição Federal de 1988, firmes no propósito de promover a retomada de nossos territórios, bem como desenvolvê-los em consonância com os valores da ancestralidade e da tradicionalidade, a que se tem denominado “sustentabilidade”, passamos a tecer as seguintes considerações e, ao final, demandar o que segue.

Somos famílias Kaingang, buscando um lugar digno e seguro para morar, onde possam desenvolver nosso modo de ser e existir Kaingang, fundamentado em relações comunitárias, modos tradicionais de viver e conexão com a natureza. Nesse contexto, somos famílias vindas de municípios afetados pelas enchentes de 2024 no Rio Grande do Sul, decidimos retomar parte da área da antiga Fepagro, no distrito de Boca do Monte, em Santa Maria. As enchentes de 2024 intensificaram a urgência dessa reivindicação: muitas famílias perderam habitação e fonte de sustento, enfrentando riscos e insegurança física. A ocupação da Fepagro surge como resposta concreta às necessidades humanas básicas e ao direito de reocupar nosso território ancestral.

Nossa presença não é destrutiva: pelo contrário, nossas práticas tradicionais favorecem a regeneração da mata e a manutenção da biodiversidade. A área da antiga Fepagro tem sido utilizada para pesquisa agroambiental e científica. A retomada não será antagônica a essas atividades. Podemos agregar valor às pesquisas, oferecendo saberes ancestrais relacionados ao manejo sustentável, uso de plantas medicinais, agroflorestas e práticas adaptativas ao clima. Um diálogo respeitoso e colaborativo entre cientistas e comunidades tradicionais pode fortalecer tanto a preservação da mata quanto a sobrevivência cultural Kaingang.  Nosso povo desenvolveu um relacionamento ancestral com os pinheirais e matas nativas.

Entendemos a importância de coexistir com as demais atividades que ocorrem na área da Antiga Fepagro. Inclusive nossa presença contribui para a garantia do uso público e da permanência das atividades institucionais, impedindo, assim, quaisquer ações futura de venda e entrega da área para a iniciativa privada, o que já vem sendo proposto na referida área desde a extinção da Fundação.

Queremos garantir a continuidade das aulas e atividades educacionais da Escola Municipal de Ensino Infantil Boca do Monte. Acreditamos na cooperação mútua e na potencial confluência e intercâmbio de saberes e conhecimentos entre nosso povo e a comunidade escolar. Tendo em vista a Lei nº 11.645/2008, que garante o estudo sobre a história e cultura dos povos indígenas nas escolas brasileiras, podemos promover o reconhecimento e a valorização da diversidade cultural brasileira, combatendo o preconceito e a discriminação contra os povos indígenas.

O povo Kaingang, tem sido sistematicamente afetado pelo processo histórico de perda de território no Rio Grande do Sul, sobretudo ao longo dos últimos dois séculos, quando seus domínios entre pinheirais e campos foram ocupados por colonos e atividades agropecuárias. Muito embora a invisibilidade à qual fomos, por anos, relegados, os indígenas sempre estiveram presentes no cotidiano de Santa Maria/RS, bastando para tanto a constatação de que a fundação da cidade remonta à demarcação da América Meridional (conforme o Tratado de Santo Ildefonso), momento em que os reinos de Portugal e Espanha negociaram, inclusive, o deslocamento de enormes contingentes de nativos, oportunidade em que muitos deles, não querendo abandonar o Tape, se “refugiaram” do lado português, que mais tarde viria a constituir o Brasil. 

Neste contexto, Santa Maria surge como fronteira demarcada por meio de Comissões militares, restando muitos destes aqui – com a suspensão dos trabalhos por força de  novo Tratado - , sendo este o caso, também, de indígenas “arranchados” na chamada Rua da Aldeia (proximidades do atual Hospital de Caridade). Tal situação justifica, também, a lenda de Imembuy, sobre a fundação da cidade, de autoria do escritor e militar Cezimbra Jacques, sem falar da toponímia local, como Vacacay e Ibicuy.

No que se refere à presença Kaingang no território de Santa Maria, o historiador Eduardo Perius destaca que a sua ocupação na região remonta para tempos muito anteriores à Constituição Federal de 1988, conforme destacado por diversos autores que abordaram a questão da distribuição espacial delimitada por bacias hidrográficas, sendo o rio Jacuí, que possui como afluente o Vacacaí-Mirim que passa por Santa Maria, um dos delimitadores das territorialidades tradicionais da etnia. Conforme destacado pelo autor, é possível, também, encontrar registros Kaingang de processos de busca por legitimidade de ocupação já no ano de 1999. 

 O Censo de 2022 revelou que a população indígena urbana, no Brasil, aumentou em 181,6%, comparada ao Censo de 2010, não sendo outro o caso do Rio Grande do Sul, e, pois, de Santa Maria, situação que não se deve apenas a fatores demográficos ou de deslocamentos entre áreas, mas a uma melhor identificação desta população no último levantamento. No nosso caso, conforme antes mencionado, desde antes de 1999 já há vários relatos em veículos de imprensa acerca da presença de Kaingangs na área urbana, primeiro no Parque da Medianeira, na chamada Casa Indígena,  onde acampavam por ocasião da Romaria, sem as mínimas condições, em termos de infraestrutura; depois em flagrante situação de vulnerabilidade socioeconômica, alvo de violações de direitos humanos.

Estamos seguindo nosso Direito originário, o direito Kaingang à terra não depende de títulos formais, mas de sua ocupação ancestral e contínua. O indigenato é considerado fonte primária e natural da posse territorial. desde a Constituição Federal de 1988 os povos indígenas têm amparo legal para reassumir e reivindicar seus territórios tradicionais, com suporte jurídico e institucional crescente. Manter-se no território ancestral é condição fundamental para a reprodução de práticas culturais Kaingang — comunidade, língua, ritmos, ritos e uso sustentável dos recursos naturais — que se expressam também em iniciativas econômicas como o artesanato e comunhão com o entorno natural.

A ocupação Kaingang em Santa Maria representa não apenas uma busca por dignidade territorial, mas a reafirmação de um modo de vida que transcende a lógica fundiária formal. É um gesto político-cultural que reivindica justiça histórica, reparação e respeito aos direitos originários de um povo que sempre habitou essas terras. A retomada ancestral Kaingang não é questão de benevolência, mas de legitimidade histórica, constitucional e cultural.

 

A nota original foi publicada no site oficial do Teia dos Povos. Acesse aqui. 

Confira também o vídeo de repasse produzido pela Sedufsm após o encontro da última quinta-feira, 24 de julho.

Texto: Nathália Costa/Retomada Kaingang Ven Ga e Teia dos Povos 

Imagens e Repasse: Jefferson Pinheiro

Assessoria de imprensa da Sedufsm

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