Precisamos de mais filosofia e menos ignorância
Publicada em
19/06/2020
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A questão é: qual é o projeto de governo para a educação? Em primeiro lugar, penso que é mais uma das declarações desastradas do governo e, neste caso, do até agora inexistente Ministério da Educação. É mais uma manobra para encobrir a incompetência e justificar a inércia. Aposta-se no negativo. É o discurso de campanha política, não de quem está no governo. É um discurso discriminatório que não sai do toma-lá-dá-cá. A questão é: qual é o projeto de governo para a educação? E qual é o projeto para as universidades, em particular. Há uma série de confusões. Quem tem de ensinar a ler, escrever e fazer contas é a educação básica. Em grande parte, a educação básica está na competência dos estados da federação, e não do governo federal. As universidades federais são autônomas e estão amparadas pela constituição brasileira.
Não difícil constatar que, de fato, se investe pouco ou quase nada nas ciências humanas. E também é um fato que as ciências humanas, nas quais se incluem a filosofia e a sociologia, não precisam de muito investimento para funcionar. Costumamos dizer que para produzirmos basta lápis e papel. E hoje, mais que nunca, pois, já não se necessita de grandes bibliotecas, como no passado. Quase tudo está disponível de forma virtual.
É uma falácia – se não uma mentira - dizer que as ciências humanas não dão retorno imediato para a sociedade. Nos momentos de crises morais, como a que presenciamos, precisamos das ciências humanas. É simples assim: deixamos de ser humanos Ou somos menos humanos que antes. Passamos a roubar. Matar. Agredir. Tentar eliminar os demais. Enriquecer a qualquer custo. E não adianta defender a técnica sem desenvolvimento humano: isso é a barbárie. Os exemplos históricos do século XX são por demais convincentes. Duas guerras mundiais, bombas atômicas, fome, extermínios de etnias, racismo, enfim, tentativa de eliminar o outro que é diferente de mim.
Também é falacioso reduzir tudo a lucro. O contribuinte não tem lucro imediato. Não vamos entrar no mérito da questão e avaliar se o contribuinte tem lucro imediato com o maior investimento que faz nas ciências da saúde, nas naturais e exatas, nas rurais. Ou melhor: que tipo de contribuinte lucra imediatamente com estes grandes investimentos. Certamente não é o doente que vive na periferia. Não é aquele que não tem casa ou tem uma casa miserável. Tampouco aquele que é pequeno produtor. Em geral, quem lucra mesmo é a indústria farmacêutica (estrangeira quase sempre), dos venenos, adubos, as grandes corporações e, por fim, o capital financeiro (os bancos). E sempre lucram de forma privada aqueles que foram financiados com dinheiro público.
No entanto, o que é mais assustador disso tudo é a dose de má-fé que está por detrás dessas declarações oficiais. Elas são mentirosas. Não é verdade que a sociedade não tem retorno com as ciências humanas. No caso da filosofia, a maioria dos cursos são licenciaturas, isto é, formam professores. E é um absurdo que o mandatário maior da nação e seu ministro de educação vêm a público entoar em uníssono o refrão: não queremos formar professores. Não queremos educação. Juntando as várias declarações concluímos: é melhor armar do que educar. É incompreensível que alguém eleito com o discurso que tem como refrão “Deus acima de tudo” venha advogar por menos educação, menos humanidades, mais armas, mais violência.
Outra questão que está por detrás é a seguinte. Por que atacar justamente a filosofia e a sociologia? Em seu lugar, vão querer financiar novamente a Moral e Cívica dos governos militares? Esta, sim, dará retorno imediato. Que retorno? Junto com o desprezo às ciências humanas, despreza-se a ética, a civilidade e a cultura em geral. Que podemos esperar? Em troca, vem a violência, a corrupção, a imoralidade, a barbárie. E isso vale também para o campo das ciências e da técnica, pois: a ciência sem reflexão é cega.
Para finalizar, é importante assinalar que este tipo de declaração (presidente Bolsonaro) está na contramão de todo o avanço tecnológico atual. Ultimamente, presenciamos, por vários motivos, uma ascensão das humanidades. Um dos motivos é que, com a crise do fordismo, em que tínhamos controle sobre o produto final, já não se sabe qual é o produto no final de um processo. Exemplo disso: temos a clonagem, a fissão nuclear e o próprio bombardeamento de imagens (fakes) nas redes sociais. Outros dizem que vivemos na era da pós-verdade. Que fazer, então? Refletir. Testar as fontes. Ter ética. Buscar a verdade. Para isso, o Brasil precisa de mais filosofia e menos ignorância nos seus ministérios e cargos públicos. A ignorância é a companheira inseparável da corrupção. E ambas levam desperdício de dinheiro público. Mesmo que, muitas vezes, tenham sido eleitas pelo voto popular.
Sobre o autor
Professor do departamento de Filosofia