Saudosismo, Negacionismo, Histeria e Polianismo na Pandemia da COVID-19: notas gerais SVG: calendario Publicada em 17/02/2021 SVG: views 484 Visualizações

A presente reflexão busca sensibilizar e, quem sabe, instruir-nos sobre a necessidade de manutenção das estratégias de enfrentamento adotadas pelas autoridades em geral, para evitar a disseminação e o crescimento exponencial da pandemia do novo Coronavírus (SARS-CoV-2).

Ao longo da história da humanidade moderna, como sociedade já nos deparamos com uma série de doenças\endemias\epidemias\pandemias, dentre elas: a pneumonia asiática (2003); as gripes (H1N1, H5N1); o vírus vindo do oriente (aedes aegypti\albopictus, Zika); o vírus que se alastrou do norte (Culex); o retorno da tuberculose incurável; as pandemias pelas superbactérias; a pandemia pelas mãos; a próxima peste vinda da África e Ásia; os parentes do Ebola e a próxima AIDS, todas muito bem destacadas no livro do infectologista brasileiro Stefan Cunha Ujvari: Pandemias: a humanidade em risco (2011, Editora Contexto). A doença atual, que não consta diretamente na obra citada, originou seu nome derivando da combinação de CO(rona) + VI(rus) seguida do ano de seu surgimento, 2019 (COVID-19).

Na era das fake News (e algumas duram para sempre) e dos algoritmos googlianos, nada melhor do que recorrer aos livros e à ciência, a verdadeira, não à pseudociência. E por falar em ciência, ela está baseada em pressuposições que constituem seus objetos de pesquisas, vastamente divulgados nos achados científicos, inclusive, do Google. É preciso diferenciar os verdadeiros cientistas dos impostores, das evidências que falsificam hipóteses, conforme refere Ben Dupré (2015).

A atual pandemia ainda cursa de forma aguda e veloz. O momento requer a manutenção do isolamento e distanciamento social, o uso de máscaras, a lavagem constante das mãos, a utilização de álcool gel 70%, bem como evitar aglomerações, inclusive em ambientes externos. 

Diante da desordem ao vivenciar o distanciamento e isolamento social necessário para evitar o contágio, e pelo número crescente de mortes nesta pandemia (mais de 240 mil), com um grande número de contaminados (mais de 9 milhões), o Brasil ocupa o terceiro lugar no mundo, garantindo sua medalha de bronze (esperamos que não a de prata ou ouro). O Rio Grande do Sul aparece na sexta posição, com mais de 580 mil casos e quase 12 mil mortos. Uma tragédia anunciada como dizia Luiz Henrique Mandetta (infelizmente, ex-Ministro da Saúde). Chega ser irônico se não fosse trágico, ao ponto de os brasileiros resgatados em fevereiro de 2020[1], em Wuhan (epicentro da pandemia na China e mundial), expressarem arrependimento por terem voltado, afinal, lá as mortes não chegam a 5 mil e os casos de contaminação a 100 mil. A postura adotada pela população e pelos governantes mundo afora difere bastante!

Mesmo com o índice de pacientes brasileiros recuperados (mais de 8 milhões), diariamente as notícias evidenciam as fragilidades no planejamento e gestão estratégica em saúde; no processo de tomada de decisões; na gestão de pessoas por competência; nas políticas de saúde pública; na epidemiologia e vigilância em saúde; na logística e gestão de materiais e na necessidade de medidas rígidas e eficientes para evitar a perpetuação do caos.

No decorrer de 2020, muito se falou sobre uma ressignificação social no pós-pandemia: sairmos melhores como sociedade! Eu tenho minhas dúvidas conceituais. Sairá melhor quem já era melhor! Sairá melhor quem acreditava que só existe uma civilização! Sairá melhor quem tem empatia e que não acredita que somos o centro do mundo! Temos muito ainda para evoluir!

E como sociedade, qual o sentido disso tudo? Os elementos descritos até aqui (e a partir daqui), refletem o modus operandi das disseminações, as estratégias usadas (ou não) pelas comunidades, governos e cientistas, para a mitigação ou resolução total dessas epidemias\pandemias. É preciso entender que houve mudança e ruptura de alguns paradigmas!

Em uma sociedade onde os princípios\valores estão ou são deturpados, em um mundo cujos alicerces não são a igualdade e o respeito e os habitantes não vivem pelo bem comum, dificilmente não teremos degradação. Thomas More, um filósofo, idealizava uma sociedade pacífica, liberta e estabelecida de condutas sociais, uma Utopia[2].

E por qual motivo é uma utopia. Pelo fato de que é um lugar inexistente! Explicarei porque acredito nisso: é utópica e dissonante quando em plena vigência de um problema global, encontramos quatro classes tipicamente presentes nas crises: os saudosistas, os negacionistas, os histéricos e os portadores da Síndrome de Poliana.

O professor e historiador Leandro Karnal descreveu muito bem os três primeiros. Os saudosistas diriam que em sua época isso que estamos vivenciando, não aconteceu e se aconteceu, foi bem diferente; os negacionistas (estoicistas[3]) dirão que o vírus não existe ou foi fabricado intencionalmente e que se proteger é “coisa de gente fraca”, “que a vacina faz mal”; os histéricos correm de um lado para o outro em busca das mais diversas formas de tratamento (inclusive os não reconhecidos) e de estoques de suprimentos. Eu agrego um quarto aspecto: os polianistas. O portador da Síndrome de Poliana acredita e foca subconscientemente no otimismo, que tudo dará certo. Na atual pandemia, conheci muitas pessoas assim! Parafraseando Karnal: não estou dizendo se isso é bom ou ruim, apenas estou identificando comportamentos, é uma questão neurocientífica, psicológica e socioantropológica, para não nos delongarmos!

Circulando pela cidade (e para que os críticos não me chamem de hipócrita - no meu ambiente controlado, o carro), analiso as inversões mentais e práticas do significado de viver em sociedade e na busca pelo bem comum.

O sistema de bandeiras que norteia as medidas necessárias para a limitação da pandemia nos municípios, por exemplo, parece funcionar em uma ordem de identidade reversa na concepção da população e de muitos estabelecimentos comerciais: as aglomerações aumentam nos espaços internos e externos, as pessoas passam a não circular com as máscaras de proteção, e a vida parece ter voltado ao normal! Sem contar que o retorno para a “vida normal”, foi objeto de campanha de alguns políticos recentemente eleitos que jamais bancaram o lockdown pelo custo político envolvido além de suas ideologias.

Quando analiso pessoas que aceitam fazer aglomerações “legais” ou clandestinas[4] (inclusive em cemitérios, barcos, chácaras, postos de gasolina), happy hour ou comemorações festivas sem o mínimo de respeito às regras sanitárias e às vidas que foram ceifadas, para mim, a sociedade perdeu a oportunidade de se tornar melhor.

Quando analiso que são essas as mesmas pessoas que adoecendo buscarão os serviços de saúde contaminando potencialmente os profissionais que lá estarão, demonstra que eu sei menos do que penso! Quando por fim, analiso que esses cidadãos são os mesmos que se revoltam por um profissional de saúde não usar luvas para vacinar (pois não entendem o mínimo de biossegurança) e que defendem a presencialidade nas escolas e universidades, é uma distopia para mim!

Ao exposto acima, recorro a outras expressões do livro de Harari e as aplico no atual contexto da COVID-19: estamos em uma guerra, não bélica mas sanitária! Tanto em uma quanto na outra, nunca devemos subestimar a estupidez humana e a marcha da insensatez. Poucos são os que conduzem o mundo e a sociedade como um jogo de xadrez, movendo cuidadosamente e racionalmente as peças. O que se observa, é um cabo de guerra, onde a força busca vencer a razão\ciência, a qualquer custo. Esse custo se chama VIDA! Conforme Darwin em sua teoria evolucionista, não é o mais forte que sobrevive, mas o que melhor se adapta! Não é o que parece!

Acredito em três fatores determinantes para as formas comportamentais adotadas pela sociedade em que vivo: 1) a exaustão das pessoas imposta pela “reclusão social” prolongada (afinal, não podemos viver em uma caverna, como dizem muitos); 2) as organizações a serviço do capital que defendem o giro da roda da economia para que mais negócios não sucumbam; 3) a previsão de novos medicamentos e a distribuição global das vacinas (visto que temos mais de uma).

Ressalto que no último aspecto, alguns medicamentos estão sendo testados e, possivelmente, em algum prazo de tempo (visto o trabalho acelerado e cooperativo da ciência mundial), demonstrarão sua eficácia comprovada ou não. No caso das vacinas, embora já estejam sendo distribuídas no Brasil, e pelos mais de 5 milhões de vacinados com a primeira e segunda doses (2,4% da população brasileira), ainda é antecipado afirmar que todas as pessoas serão imunizadas, visto a necessidade de se atingir aproximadamente 60% a 70% da população brasileira para diminuir o contágio.

Essas estimativas não excluem, mas sim, reforçam ainda mais a necessidade de manutenção das medidas preventivas na COVID-19, pois a vacina, apesar de que em alguns países, como Israel, já demonstra significativa redução dos casos de contaminação e mortes, não é a “bala de prata”, mas um elemento somatório no processo de proteção.

Acredita-se ainda que necessitaremos todo o ano de 2021 para adquirirmos uma segurança de proteção individual e imunidade coletiva. Lembrando ainda que o Carnaval aí está e que muitas aglomerações foram registradas pelo país, sabemos que as infecções tendem a se manifestar entre 30-40 dias após esses tipos de comemorações. Portanto, acabamos protelando ainda mais uma certa “estabilização” dos casos. Não podemos desconsiderar ainda, que as doenças como a dengue e a febre amarela assolam nosso país atualmente e precisamos estar vigilantes. Há muito o que fazer, pois conforme me sustento em Yuval Harari[5], o fim da história foi adiado!

Para refletirmos ainda em uma linha de raciocínio já tratada em outro texto (https://www.sedufsm.org.br/?secao=reflexoes&id_artigo=595), no filme Circle (2015), onde um grupo de 50 pessoas estranhas umas às outras, aguarda sua execução a partir da escolha coletiva “aleatória”, um dos personagens faz uma argumentação importante: “o que importa é, coletivamente, descobrirmos como parar isso. Estamos todos no mesmo time! Até que outro contesta: “Estamos”? Todos queremos viver e trabalhar ou continuaremos discutindo e escolhendo as pessoas ao nosso lado para ser a próxima vítima, como se fosse um game de eliminação? A ficção científica pode nos fazer pensar na conjuntura atual, nas opiniões\suposições individuais\coletivas, às vezes, preconceituosas, no viés da influência das massas e na reflexão de como se deveria agir caso nossa vida estivesse em risco. E ela está em risco!

Os argumentos aqui respeitosamente apresentados, abrem espaços para críticas, sugestões e a possibilidade de revisão ao longo do tempo. Acordos com base em um referencial teórico consistente, são bem acolhidos, porém, contrariedades sustentadas no empirismo e radicalismo, não serão! Para Ben Dupré[6], o filósofo da ciência, os argumentos são como tijolos com os quais se constroem as teorias e a lógica é a palha que os fundem. Destaca que ideias valem pouco a não ser que estejam alicerçadas em bons argumentos, preferencialmente justificados racionalmente, com bases rigorosas e firmes. E a ciência é o argumento que tenho para explicar a manutenção de minhas condutas! Precisamos de mentes eruptivas e disruptivas!

            Assim, se você quer saber a verdade sobre o universo, sobre o significado da vida e sobre sua própria identidade, o melhor modo de começar é observando o sofrimento e explorando o que ele é. A resposta não é uma história. (Harari, 2018, p.377).

#UNIDOSPelaVacina

#ParaQueNãoNosFalteOxigênio

#SOMOSTodosSUS

 

[1] https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2021/02/14/brasileiros-resgatados-em-wuhan-dizem-que-era-melhor-ter-ficado-na-china.htm

[2] MORE, SIR THOMAS, Santo, 1478-1535. Utopia. São Paulo, Lafonte, 2017.

[3] Estoicos: não se importam com as consequências (grifo meu).

[4] Lembrando que podem e devem ser enquadrados em crime contra a saúde pública.

[5] HARARI, YUVAL NOAH. 21 lições para o século 21. 1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.

[6] DUPRÉ, BEN. 50 ideias de filosofia que você precisa conhecer. 1ª ed. São Paulo: Planeta, 2015.

Sobre o(a) autor(a)

SVG: autor Por Gianfábio Pimentel Franco
Curso de Enfermagem - Departamento de Ciências da Saúde - Campus Palmeira das Missões

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