A menstruação pede visibilidade Publicada em 20/10/2021 2754 Visualizações
A menstruação é um evento biológico que compreende a descamação do endométrio, camada interna do útero que prolifera todos os meses preparando a cavidade uterina para a implantação de um óvulo fecundado. Quando não ocorre a fecundação, essa camada de sangue “se quebra” e é eliminada através do canal vaginal. Em síntese, todos os meses, a partir dos 12 anos de idade mais ou menos, o corpo de meninas e de mulheres se prepara para uma gravidez mediante uma verdadeira revolução hormonal. E isso acontece ao longo de toda sua vida reprodutiva, que é interrompida apenas durante a gravidez e com a chegada da menopausa, perto dos cinquenta anos.
Carregada de mitos, de significados, de percepções pessoais e de simbolismos culturais que atravessam os tempos, a menstruação permanece na invisibilidade social, uma vez que é entendida como um acontecimento particular que só diz respeito a nós, mulheres. A visão reducionista, que privilegia determinantes biológicos em detrimento dos sociais na interpretação de fenômenos no campo da saúde é bem presente no caso da menstruação. Talvez a aceitação das mulheres, somada à escassez de conhecimento sistematizado sobre o impacto negativo que o sangramento mensal tem na vida e saúde de mulheres em situação de vulnerabilidade, tenha facilitado a invisibilidade da “pobreza menstrual” por muito tempo.
A pesquisa “Pobreza Menstrual no Brasil: Desigualdade e Violações de Direitos”, realizada pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) vem para dar um pouco de luz a essa temática. O Relatório apresentado em maio de 2021 aborda a “pobreza menstrual” como a falta de conhecimentos sobre a anatomia e a fisiologia do corpo, incluindo o ciclo menstrual; a falta de acesso a recursos adequados para a coleta do produto menstrual; e a precariedade na infraestrutura básica de cuidados higiênicos, tanto em casa como na escola.
Dentre a multiplicidade de dados objetivos, a pesquisa aponta que 713 mil meninas não têm acesso a banheiro ou chuveiro na sua casa e mais de 4 milhões não têm acesso a insumos mínimos para os cuidados menstruais nas escolas. Isso inclui falta de acesso a absorventes, água, sabão, papel higiênico e banheiros adequados. Situação que facilita a evasão escolar.
A série de privações não se restringe somente à forma precária de coletar o produto menstrual como denunciam as informações da pesquisa. Acima de tudo, a investigação mostra que o fenômeno vai além do corpo das mulheres, interferindo na sua saúde integral, na mobilidade, nos direitos e na dignidade de meninas em idade escolar. Escancara, sobretudo, a desigualdade social existente no país, situação que, obviamente vem se agravando com a pandemia da COVID-19, atingindo em cheio as mulheres pobres.
Esses dados funcionam como um soco no estômago de qualquer pessoa que defende a igualdade de direitos e de oportunidades entre os seres humanos. Quando ampliamos o olhar para outros grupos de mulheres em situação vulnerável, o cenário é muito mais alarmante, com certeza.
Essa realidade injusta fundamenta o óbvio: é urgente que se efetive uma política pública municipal, ou estadual, ou federal que forneça, pelo menos, absorvente higiênico às meninas. E não só às meninas, todas as mulheres em situação de vulnerabilidade devem ter acesso: mulheres em situação de prisão, moradoras de rua, homens trans, pessoas não binárias que menstruam...
Há que se ressaltar o valor da pesquisa da UNFPA e da UNICEF enquanto instrumento valioso que tira da invisibilidade situações extremas de sofrimento de milhares de mulheres, ao mesmo tempo em que disponibiliza subsídios valiosos para a elaboração de políticas públicas. Da mesma forma, serve como resposta a todas aquelas pessoas que banalizam ou têm dificuldade de entender o impacto social negativo da falta de atenção aos direitos reprodutivos. Direitos esses, não podemos esquecer, conquistados pelos movimentos feministas.
Sobre o(a) autor(a)
Por Maria Celeste LanderdahlProfessora aposentada do departamento de Enfermagem da UFSM