Um prazo para o descanso SVG: calendario Publicada em 21/12/2022 SVG: views 4013 Visualizações

Dezembro é a proximidade com o final de semestre, a data limite do artigo que será submetido para uma revista, prazos de outros editais, um capítulo (já está atrasado, inclusive), revisão de um livro (precisa ir para a gráfica), uma cartilha que está em vias de publicação, mais um livro que voltou com pedidos de revisão (para quando? Para ontem). Eventos que estou organizando e mais algum que preciso participar. Opa, peraí, no meio de tudo isso, tem seleção na pós-graduação, mestrado, doutorado, analisar projetos, fazer entrevistas, corrigir provas. Ah, lá na pós-graduação ainda tem os projetos das pessoas que oriento, preciso revisar, tem prazo também. Aqui na caixa de email chegou um artigo para dar um parecer. Com prazo para logo mais. Mas, gente, já não cabe mais nada na minha agenda… dezembro está acabando. Mas ainda tem prazos na extensão, prazos na pesquisa, prazo nos projetos de ensino, relatórios, atividades de cada projeto para concluir.

O dia acabou e eu não cheguei em nenhuma dessas tarefas, porque passei o dia inteiro na sala de aula, quatro horas de aula, quatro horas de orientação. Farei algumas coisas de noite, depois que meu filho dormir. Ah, lembrei também da divulgação científica. Hoje tem que sair um post, uma nota no site, um texto para o blog. Não adianta produzir se a gente não divulga, não é mesmo? É sim, concordo. Mas quantas horas precisa ter o dia de um professor ou de uma professora? No final do ano, é pior. Uma sensação de que não é o fim do ano que se aproxima, mas o fim dos tempos. Eu sinto como se o mundo fosse se acabar e como se todo mundo precisasse de algo urgente nesses trinta e um míseros dias de dezembro. 

Pereira (2011) apresenta uma adaptação do conceito de fábrica sem paredes de Antonio Negri (1989) para avaliar duas tendências: a extensificação (Gill, 2010; Jarvis and Pratt, 2006) e elastização (Lynch, 2010: 57) do tempo e espaço de realização do trabalho científico. A autora diz que: "Rosalind Gill argumenta que trabalhamos actualmente numa 'academia sem paredes' (Gill, 2010: 237)". Com as possibilidades tecnológicas, qualquer lugar e qualquer tempo passam a ser um lugar e um tempo para o trabalho acadêmico. Ela ainda diz que a carga de trabalho média nas universidades é tão intensa que só é possível desempenhar atividades de ensino, de pesquisa, de extensão e administrativas trabalhando de noite, aos fins de semana e feriados, e/ou nas férias: "Dissolvem-se assim as fronteiras entre espaço/tempo de trabalho e espaço/tempo de lazer, e as/os investigadoras/es passam a estar sempre potencialmente 'on', contactáveis e de serviço (Alvanoudi, 2009; Fantone, 2007 apud Pereira, 2011)". 

E, sem dúvida nenhuma, essa situação se agrava no caso das mulheres, professoras e pesquisadoras. Na última semana, as consultorias 65/10 e Subversiva lançaram um report intitulado "Declaração dos direitos descansistas pelo bem estar das mulheres": um manifesto pelo direito ao descanso. De acordo com a publicação, vivemos dias cansativos para todos, mas, principalmente, para mulheres, negros e grupos minorizados. Além disso, revela que  4 em cada 10 brasileiros declaram não se sentir bem descansados, que estamos 8% mais cansados que a média global, que 65,5% da população relata problemas relacionados ao sono e as mulheres são as mais afetadas, público que, além de ser mais suscetível a sofrer com a síndrome de burnout, ainda dedica 73% mais tempo que os homens às tarefas do cuidado. O report diz ainda que, embora o descanso seja um direito garantido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, pela Constituição e pela CLT, as mulheres vivem uma jornada de trabalho infinita, que soma as tarefas domésticas, ao trabalho de cuidado, ao trabalho remunerado e à necessidade de gerenciar tudo isso, em uma jornada que só termina quando dorme (se é que dorme direito!). 

Para terminar, faço duas ressalvas e um pedido. A primeira ressalva é que minha lista de tarefas é enorme, eu sei. Mas ainda estou em um lugar de privilégio, nesse Brasil tão desigual. A segunda é que já trabalhei muito mais e aprendi, com a exaustão, a necessidade de parar para descansar. Por último, o meu pedido para o próximo ano, visto que dezembro também tem prazo para acabar e que logo ali, na frente, virá um ano novo, com tempos novos, com prazos novos, mas com a possibilidade de que a gente se olhe com mais cuidado e se dê o direito de descansar. Que no meio da montanha de prazos a gente ache um tempinho para respirar. Fazer absolutamente nada. Isso vai implicar dizer alguns nãos para prazos e tarefas e um grande sim para o nosso descanso.         

 

Sobre o(a) autor(a)

SVG: autor Por Juliana Petermann
Professora Associada do departamento de Ciências da Comunicação da UFSM

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