A Feira e a multiplicação dos livros entre nós SVG: calendario Publicada em 13/08/2024 SVG: views 76 Visualizações

Nossa Feira do Livro se vira do jeito que pode para estar de volta todo ano, garbosa e simpática, apesar dos contratempos. E obstáculos tem havido a mão cheia. Pandemia, crise editorial, debacle nos orçamentos da cultura e das leis de incentivo – há um rosário de aborrecimentos de 2018 para cá. Este ano foi a vez da enchente e do cronograma de obras da praça. Eis porque a Feira, normalmente realizada em maio, entra em cena só agora, neste 23 agosto, para ficar entre nós até início de setembro.

O importante, porém, é que permaneça firme e forte, honrando um ideal nascido cinco décadas atrás entre acadêmicos de nossa Universidade Federal. Literalmente, a Feira continua a encher a praça, não apenas com os livros, mas também com as atrações de lançamentos, palestras e intervenções artístico-culturais. Mais significativo: é garantia de palco para que os agentes renovem seu fôlego, espalhem-se pelo largo (ao modo de um grande e variado bazar de livros) e, principalmente, reafirmem o compromisso do ofício. Algo tanto mais expressivo nesses tempos estranhos dominados pelas redes. Tempos em que o leitor abandona o lugar de entidade quase metafísica para entronizar-se no posto que substitui o tempo de leitura pelos comentários, cliques e likes. Como um antídoto a essa luz inebriante e supressora das telas, os livros retornam à praça para reafirmarem que é na leitura que se revive a experiência de um mundo que, sem o brilho imediatista dos pixels, é prenúncio de valores prevalentes e permanentes que dependem unicamente do poder da imaginação e do milagre das palavras.

Ao realocar o livro impresso, nossa feira também se reafirma como um evento que, econômica e culturalmente, todo ano, energiza o que chamo de sistema literário semiautônomo de Santa Maria. E digo isso baseado no fato de que há hoje em nosso meio um grupo significativo de autores que publicam e circulam preferencialmente no âmbito de nossa microrregião. Penso, mesmo, que, nesse particular, temos alcançado uma primazia que nenhuma outra cidade do interior sul-rio-grandense emparelha. Como exemplos concretos dessa face sistêmica, basta lembrar do alcance da programação infantil junto à rede de ensino e à população em geral e das sessões diárias de lançamentos de títulos locais. Por trás disso, temos, além de autores e leitores, editores, produtores, as livrarias e os livreiros – ou, aquilo que genericamente poderíamos designar ao modo de um mercado editorial.

Ao longo dos dias, esse sistema se alimenta de atrações que reúnem algumas centenas de agentes do livro, e, no caso dos infantis, todo um universo das artes em geral. Uma das consequências mais interessantes desse processo é o seu fator de multiplicação. Na medida em que circulam, as publicações e seu entorno incrementam a formação e a consolidação de público, a par de um mercado livresco, mostrando que o horizonte da palavra e da imagem impressas, afora as questões econômicas que embute, pode ser um poderoso fator de letramento, inclusão e autonomia.

De outro modo, quando atentamos para os lançamentos percebemos que a par de poetas e ficcionistas – alguns dos quais, inclusive, já com circulação estadual consolidada -, destaca-se entre nós o influxo impressionante de um permanente interesse pela história e pela memória. Alguns núcleos ligados a nossas instituições superiores têm tido um papel interessante nessas iniciativas, mas é importante também ressaltar os trabalhos autônomos. Basta olhar a programação, para perceber o quanto há de lançamentos desse gênero, o que, de outro modo, reforça o poder de aglutinação do evento, posto que coloca na agenda de leituras o resgate do passado, gesto fundamental para a construção do futuro.

No geral, portanto, a nossa Feira vai bem, obrigado. Enfim, resiste em torno de suas históricas potencialidades e do seu reconhecido papel de evento aglutinador. E nessa resistência, reafirma-se no sustentáculo de uma rede de leitura e de leitores – os novos e os renovados. Resta-nos, apenas, reforçar o convite às gentes de todos os quadrantes, gêneros e idades. Aos livros e à praça!

(* Pedro Brum Santos foi patrono da Feira do Livro de 2012)

Sobre o(a) autor(a)

SVG: autor Por Pedro Brum Santos
Professor Titular do departamento de Letras Vernáculas da UFSM

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