Setembro Surdo Azul e o mês da Cultura Surda SVG: calendario Publicada em 25/09/2024 SVG: views 266 Visualizações

Setembro Azul é um mês de conscientização da Cultura Surda. O movimento é marcado por um mês de luta, conscientização e divulgação da Cultura Surda e da Língua Brasileira de Sinais - Libras. O Setembro Azul é muito importante para celebrar os grandes feitos da Comunidade Surda depois de vários retrocessos. A cor azul simboliza a história triste, é que na segunda guerra os surdos eram separados com outras pessoas com deficiências, todos usavam uma faixa azul. Mas ultimamente estamos chamando de Setembro Surdo que cai muito bem.

Eu, como professora de Libras do Departamento de Educação Especial da Universidade Federal de Santa Maria, gostaria de deixar aqui um textinho sobre algumas coisas relacionadas com o Setembro Azul. 

O Setembro Azul é por causa do Dia do Surdo, que é no dia 26 de setembro, o dia da fundação da primeira escola de surdos do Brasil, que segue na ativa, no Rio de Janeiro. grande referência. A Libras é reconhecida como língua da Comunidade Surda através da lei 10.436, de 2002. Apesar da lei só ser de 2002, a Comunidade Surda tem história de muitos anos, já que a primeira escola de surdos do Brasil foi fundada em 1857. O Movimento Surdo tem uma força de resistência e hoje temos grandes colegas surdas no Ministério de Educação - MEC, uma grande vitória e estou muito orgulhosa com os grandes feitos das minhas companheiras de lutas que estão trabalhando arduamente no MEC pelas melhorias aos alunos surdos do Brasil. 

Cultura Surda é o jeito de entender as pessoas surdas através da visualidade. A Libras é praticamente uma língua visual. As pessoas surdas são sujeitas das experiências visuais, eu como surda tenho uma visão bem aguçada. A Cultura Surda é um conjunto de princípios sociais, políticos, comportamentos, artes, tradições, valores e entre outras coisas que são compartilhadas pela Comunidade Surda, que é composta de pessoas surdas e ouvintes simpatizantes.

Primeiramente, é muito importante respeitar o lugar de fala das pessoas surdas e valorizar as capacidades das pessoas surdas. Mesmo que o termo lugar de fala seja usado com frequência nos dias atuais pelas minorias é raro encontrar uma publicação sobre o lugar de fala das pessoas surdas, portanto, aproveito para deixar aqui publicado. Eu estou no meu lugar de fala, tenho propriedade de escrever tudo isso aqui.

Antes de escrever eu dialoguei com este conceito com o livro da Djamila Ribeiro, escritora, filósofa e feminista negra. A Djamila mostra com clareza o que é lugar de fala e com isso é possível imaginar a situação das pessoas surdas. Sem querer fazer distinção entre pessoas ouvintes e surdas, eu convivo com o capacitismo todos os dias e a razão da escrita agora é sobre respeitar o lugar de fala das pessoas surdas. Eu sou professora de Libras há mais de 20 anos e enfrento diariamente os preconceitos das pessoas que me conhecem. No trabalho já me pediram para não assumir turmas quando há alunos com deficiência por acharem que eu não daria conta. Isso me deixou bastante pensativa: se os meus alunos ouvintes aprendem bem comigo a Libras, por que não os alunos com deficiências?

Para piorar, já me perguntaram se meus pais vieram morar em Santa Maria para me cuidar porque sou surda. Oras! Meus pais continuam morando em Caxias do Sul e estão bem despreocupados com a minha independência. E meus alunos com deficiências aprenderam muito bem comigo. Sou muito privilegiada! Fiquei muito orgulhosa de ver a minha aluna com deficiência visual aprendendo bem Libras e o aluno com deficiência intelectual também. Tudo é possível. E outra, muitas pessoas usam pessoas surdas nas suas pesquisas e projetos e depois não chamam os surdos para participar, nos sentimos usados, lamentavelmente. 

Sim, eu sou uma pessoa muito privilegiada! Estudei sempre numa escola de surdos e tenho uma família ouvinte que sabe Libras, eles aprenderam para poder se comunicar comigo. Estudei mestrado e doutorado nas grandes universidades com acessibilidade garantida. Tenho esposa e filha maravilhosas que sempre estão comigo nas lutas. Filha que é ouvinte, sabe Libras, e a minha esposa que é surda. Infelizmente, a minha esposa não pode contar a mesma história minha, ela teve uma história bem sombria na vida escolar pois os médicos falaram para os pais dela que com a Libras ela não iria ser normal e sofreu muito bullying nas escolas. Pois é, medicalização e normalização são as palavras que sempre estão presentes nas nossas vidas, os médicos querem nos medicalizar com aparelhos e implantes e acreditam que podemos ser "ouvintes" na sociedade, isso é tentar normalizar.

Um surdo, se ele tiver possibilidade de ouvir nunca será ouvinte, pois a sua subjetividade sempre será surda. Muitas vezes, a sociedade nos rotula como deficiente. ‘Deficiente’ é aquele que não consegue modificar sua vida, aceitando as imposições de outras pessoas ou da sociedade em que vive, sem ter consciência de que é dono do seu destino (VILELLA, 1990). Apesar da terminologia “deficiente” estar incorreta e ter caído em desuso, Vilella conseguiu explicar bem como a sociedade vive e quer impor praticamente tudo. O termo correto hoje em dia é Pessoa com Deficiência. A sociedade impõe tudo o tempo todo e as pessoas não sabem mais em que acreditar ou aceitar.

Percebo também que o preconceito começa, muitas vezes, em casa, obviamente. Antes de falar sobre deficiências é necessário explicar os termos de duas palavras muito presentes em nossas vidas: Deficiente e Deficiência. Antes de surda, sou humana, tenho a minha vida, meu nome. Para o sistema de saúde, sou apenas pessoa com deficiência auditiva. A deficiência quer dizer que há algum impedimento do corpo, não da vida. Me rotular de deficiente é profundamente pejorativo, porque a palavra quer dizer que você tem deficiência por completo. Faço parte da comunidade surda, minha identidade é surda e integro uma minoria linguística, sou usuária da Libras como primeira língua. 
 
Os atos de preconceito sempre vão existir, embora se tenha uma maior visibilidade da Libras hoje no Brasil, o capacitismo continua na prática e nós, surdos, ainda enfrentamos preconceitos. É uma resistência diária, estamos sempre lutando. Parece que nós mordemos; quando chegamos nos lugares que desconhecem surdos e Libras, as pessoas se assustam. É tão simples aprender a Libras e entender que nós somos surdos. Apenas olhar-nos e tentar se comunicar, além disso a sociedade precisa acreditar no potencial dos surdos.

Não precisamos de caridade e de benevolência, nós apenas precisamos dos direitos do papel na prática. Finalizo este texto com um pedido especial para todas as pessoas: procurem uma COMUNICAÇÃO melhor com seus amigos ou conhecidos surdos, só assim os surdos se sentirão incluídos. O Brasil tem a Libras como meio legal de comunicação e vários lugares oferecem cursos, não há desculpa. Libras é um investimento legal e necessário para sociedade geral, e deve, incondicionalmente, começar pelas famílias que plantarão uma comunicação melhor aos parentes surdos e à sociedade. 

Não é só histórias ruins que temos. A história do Movimento Surdo é bem extensa recheada de muitas conquistas e perdas. Muitas pessoas surdas tiveram que lutar com muito suor para que eu pudesse ter a vida que tenho hoje que é bem leve. Devo muito às pessoas que sofreram por mim. Não só as pessoas surdas, mas as mulheres e pessoas LGBT. 

 

 

Sobre o(a) autor(a)

SVG: autor Por Carilissa Dall'alba
Professora do departamento de Educação Especial da UFSM. Ativista e militante do Movimento Surdo