Tragédia e farsa: extrema-direita no Brasil e a aposta no colapso SVG: calendario Publicada em 27/08/2025 SVG: views 396 Visualizações

Em 18 de Brumário de Luís Bonaparte, obra de 1851/1852, logo no primeiro capítulo, Marx escreveu sobre uma passagem da obra do filósofo Hegel onde este dizia que “todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes.” Marx então acrescentou que Hegel esqueceu de incluir nessa sentença que nestas duas vezes a repetição ocorre na primeira vez “como tragédia” e na segunda “como farsa”.

Crises institucionais foram uma constante na história do Brasil republicano e são resultado de vários processos que se conectam. A situação atual parece, e só parece, reproduzir a crise que resultou no Golpe Civil-Militar de 1964.

A instabilidade marcou o período que antecedeu ao golpe; em 1961, quando Jânio Quadros renuncia à presidência e o vice João Goulart é impedido de assumir, já havia uma intensa articulação golpista que reunia diversos setores da sociedade brasileira, do arcaico ao moderno, do conservador ao progressista, do rural ao urbano, do religioso ao laico, de empresários locais a empresas multinacionais, alimentados, no auge da Guerra Fria, pela pressão do governo dos Estados Unidos, então presidido por John F. Kennedy.

Posteriormente, em nome da queda de João Goulart e da justificativa, incoerente, mas legitimada pelo “medo comunista”, de dar um golpe para evitar um “golpe na democracia”, vários grupos bradaram os mais intensos discursos reivindicando um genuíno patriotismo, uma ilibada conduta moral, enfatizando um perigo iminente de quebra de valores da tradicional família brasileira. Em nome destes argumentos, o golpe foi dado.

Eis a tragédia!

Estavam conspirando contra a democracia com argumentos e interesses variados, desde os grandes empresários, latifundiários, passando pela cúpula da Igreja Católica (instituição de extrema relevância no cenário político de então na medida em que, segundo dados do IBGE, no início dos anos 60 mais de 93% da população se declarava católica). Mas, principalmente, atuavam setores da oficialidade militar, muitos deles formados na Escola Superior de Guerra e que defendiam radicalmente a Doutrina de Segurança Nacional. Sobretudo, a campanha de desconstituição do governo é que definiu a viabilidade do golpe. Entre os que foram decisivos nesse processo está Golbery do Couto e Silva, figura central na compreensão do golpe, do regime que se seguiu e das estratégias assumidas por este.

O general, (que depois idealizou e dirigiu o Serviço Nacional de Informações (SNI) conduziu militares e empresários na constituição do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) em novembro de 1961 e na reativação do o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) que havia sido criado em 1959. IPES e IBAD produziam conteúdos midiáticos e didáticos de desestabilização do governo Goulart enfatizando uma suposta ameaça comunista e um iminente colapso econômico (em filmes, palestras e livros).

Os grupos que apoiaram e deflagraram o golpe de 1964, defendiam um projeto modernizante para o país, que até então havia sido sucessivamente derrotado nas urnas, mas também conservador, excludente, violento, autoritário e que, como se comprovou, endividou ainda mais o país. Os interesses militar-tecnocrático-empresarial que formaram o que poderíamos denominar de “pacto autoritário”, nortearam um desenvolvimento econômico erigido sob uma intensa intervenção estatal, concentração oligopolista da produção e internacionalização da economia. Almejavam autonomia nacional, crescimento econômico e a transformação do Brasil em uma potência sem relações de subserviência.

A atual crise do sistema institucional em parte repete esse caminho já traçado. Muito se estudou e analisou sobre a origem ou o que deflagrou o retrocesso e tamanha crise, a abertura da caixa de Pandora após 2013, data que as análises convergem: as “Jornadas de Junho” com as ondas de protestos e mobilizações contra a política, os políticos e o sistema como um todo; a Operação Lava Jato, que ao apurar denúncias de corrupção, criminalizou o conjunto da política institucional; a contestação por parte do PSDB do resultado da eleição presidencial em que a presidente Dilma Rousseff (PT) venceu o tucano Aécio Neves (com um pedido de "auditoria especial" junto ao Tribunal Superior Eleitoral); a divulgação do relatório da Comissão Nacional da Verdade que detalhou violações de direitos humanos durante o regime civil-militar e fez com que parte da oficialidade militar rompesse definitivamente com o governo Dilma Rousseff; a crise e falência da política econômica do governo Dilma (que interrompeu um ciclo de avanços e conquistas de camadas médias e setores menos favorecidos); a emergência de grupos que até então eram invisibilizados no sistema político (os neopentecostais e sua ampla diversidade principalmente) e tudo envolto na emergência das redes sociais digitais e em uma sociabilidade digital (o novo e mais relevante espaço da política) que gradativamente foi hegemonizado pelo pensamento conservador.

De lá pra cá, o sistema político institucional se tornou disfuncional, a ponto de eleger como Presidente da República um deputado de atuação inexpressiva em seus 28 anos de mandato (passando por dez partidos e mesmo assim se apresentando como candidato “antissistema”), conhecido tanto pela sua mediocridade quanto pelo seu discurso de extrema agressividade. Ganhou os holofotes defendendo os interesses das forças militares e de segurança e depois abraçou a religião neopentecostal, mas se manteve favorável a soluções violentas em questões ligadas aos conflitos sociais, às minorias e aos direitos humanos.

Tendo perdido as eleições em 2022, Bolsonaro, sua família, oficiais militares da mais alta patente, empresários, políticos vinculados à extrema-direita e apoiadores variados (desde os mais convictos “olavistas” até os mais alienados defensores de “Brasil acima de tudo e deus acima de todos”) passaram a tramar não contra o governo, mas contra a democracia e suas instituições tendo como ponto culminante, a tentativa frustrada de golpe de Estado e a execução do plano “punhal verde e amarelo” com a intenção de assassinar autoridades (segundo as investigações, os alvos seriam Lula, Geraldo Alckmin e Alexandre de Moraes). Tudo, supostamente, em nome da defesa dos interesses do Brasil, da família tradicional e de deus. A situação que já era grave piorou com a eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos.

A crise política e institucional parece se intensificar a cada movimento das peças do tabuleiro político. Mas, esses movimentos não são orientados por um projeto político alternativo para o país e sim por interesses individuais ou de pequenos grupos. A aposta, assim como foi a tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2023, é no caos e no colapso.

Isso se torna explícito a cada reação às decisões judiciais no processo que tornou réus o ex-presidente Jair Bolsonaro (atualmente em prisão domiciliar), Alexandre Ramagem (deputado federal e ex-diretor da Abin), Almir Garnier Santos (ex-comandante da Marinha), Anderson Torres (ex-ministro da Justiça), Augusto Heleno (ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional), Mauro Cid (ex-ajudante de ordens da Presidência), Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa) e Walter Braga Netto (ex-ministro da Defesa e da Casa Civil), grupo considerado pela Procuradoria-Geral da República como “núcleo crucial” da tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito (acusados ainda de participação em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado).

Também se evidencia a ausência de um projeto de e para o país a cada ato público convocado pelos apoiadores do ex-presidente ou a cada discurso de referências políticas como Silas Malafaia (investigado pela Polícia Federal no inquérito que apura tentativas de obstrução do processo contra Bolsonaro e asseclas) e Tarcísio de Freitas (potencial herdeiro do espólio político de Bolsonaro). E a forma de oposição assume contornos de paralisia decisória – barrando discussões fundamentais para os brasileiros - com a ocupação das mesas diretoras da Câmara e do Senado e obstrução dos trabalhos legislativos por parte de parlamentares em protesto à prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e com a intenção de promover o avanço da proposta de anistia aos condenados do 8 de janeiro e o impeachment do ministro Alexandre de Moraes.

A crise assume ares de sabotagem com a atuação do deputado federal Eduardo Bolsonaro (também indiciado pela PF pelos crimes de coação no curso do processo que investiga a tentativa de golpe de Estado) junto ao presidente dos Estados Unidos. O Jornal O Globo em sua edição de 10 de agosto de 2025 publicou que o deputado reagiu com um “Obrigado, presidente Donald J. Trump” à tarifa de 50% imposta pelos Estados Unidos a produtos brasileiros.

Eis a farsa!

Jair Bolsonaro, sua família e o grupo político que os sustentam, conspiram contra o país ao abraçarem a retaliação econômica dos EUA como forma de garantir impunidade, independentemente dos impactos econômicos e sociais que isso possa causar.

O patriotismo e o interesse nacional defendidos publicamente em redes sociais por estes encobre, na essência, o interesse pessoal e privado, a gana financeira e política mesmo que, fazendo coro ao discurso trumpista de Make America Great Again, a soberania do Brasil, suas instituições e economia, estejam sob ameaça.