A situação das mulheres no mercado de trabalho brasileiro 
                
                     Publicada em
                    17/09/2025
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                    17/09/2025
                
                
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        Fruto de uma longa caminhada rumo à construção de uma sociedade mais justa, os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU refletem um conjunto de metas que visam solucionar desafios ainda presentes no Brasil.
Os Objetivos 5 e 8 abordam desafios diretamente relacionados a barreiras estruturais, o que significa que os problemas que eles buscam enfrentar são complexos e estão enraizados em desigualdades históricas, sociais e econômicas. No Brasil, a desigualdade de gênero é um fenômeno estrutural porque atravessa diferentes dimensões da vida como a política, a divisão sexual do trabalho, a violência de gênero, etc. Esses problemas não decorrem de situações isoladas, mas de uma lógica social construída, que coloca homens e mulheres em posições desiguais. O Objetivo 5, voltado à igualdade de gênero, enfatiza a necessidade de eliminar as disparidades e de promover o empoderamento de mulheres e meninas (ONU, 2015).
Já a realidade do trabalho no Brasil também reflete barreiras estruturais, já que grande parte da população está inserida em empregos precários, informais ou com baixos salários, existindo ainda desigualdades profundas ligadas à raça, gênero e região no acesso a empregos de qualidade. O crescimento econômico não se traduz automaticamente em inclusão social, o que reforça a necessidade de políticas. Assim, o Objetivo 8, ao tratar de “trabalho decente e crescimento econômico”, propõe “promover o crescimento econômico inclusivo e sustentável, o emprego pleno e produtivo e o trabalho digno para todos” (ONU, 2015).
Pensando em uma interconexão entre ambos os ODS, fica nítido que discutir a atual situação de desigualdade vivenciada pelas mulheres no mercado de trabalho é de suma importância para se gerar condições de trabalho dignas para as mulheres, especialmente porque registra-se o crescimento do número de mulheres chefiando lares no Brasil, uma realidade consolidada, conforme o último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Enquanto, em 2010, as mulheres eram responsáveis por chefiar 38,7% dos lares (unidades domésticas), em 2022, esse número subiu para 49,1%, quase metade dos lares brasileiros (em alguns estados, este percentual passa da metade dos lares, é o caso de Pernambuco, Sergipe, Maranhão, Amapá, Ceará, Rio de Janeiro, Alagoas, Paraíba, Bahia e Piauí) (Agência IBGE, 2024).
Em 2025, conforme um estudo da FGV, as mulheres já eram maioria na chefia de mais da metade dos lares brasileiros (52%). De acordo com a pesquisadora Janaína Feijó, que conduziu a pesquisa, o excesso de responsabilidades e a sobrecarga marcam a atuação situação das mulheres inseridas no mercado de trabalho. Esta constatação faz sentido se considerarmos que as responsabilidades, antes atribuídas às mulheres (como os cuidados e educação dos filhos, cuidados com parentes mais velhos, cuidados com a casa, etc.), seguem sendo executadas pelas mulheres, ao mesmo tempo em que elas assumiram responsabilidades referentes ao mercado de trabalho.
Contudo, o aumento da chefia dos lares por mulheres contrasta com a situação de inferioridade das mulheres no mercado de trabalho nacional. As mulheres são minoria nos vínculos de trabalho e têm as piores remunerações, conforme os dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) do IBGE. Os dados sobre os vínculos de empregos criados no Brasil no período entre 1995 e 2024, mostram que os homens ocuparam quase 60% das vagas criadas no período. A situação das mulheres que, no entanto, veio apresentando tímida melhora neste período, tendo crescido de 37% para 44% entre 1995 e 2015, sofreu inflexão desta situação, já que as mulheres tiveram suas participações reduzidas para 41% entre 2020 e 2024. (RAIS/IBGE, 2025).
Quando se analisa por faixas de rendas, a desigualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho fica ainda mais visível: as mulheres são maioria na faixa de renda de até um salário mínimo (43%) e seu papel é reduzido entre as faixas de maiores rendas. A partir de 3 salários mínimos, por exemplo, os homens são maioria absoluta dentre os vínculos empregatícios observados. Os dados de todo o período podem ser consultados no quadro a seguir.
Quadro 1: Participação de Homens e mulheres por faixas de rendas no Brasil, 1995-2024
| HOMENS | |||||||
| Faixas de rendas | 1995 | 2000 | 2005 | 2010 | 2015 | 2020 | 2024 | 
| Até 0,50 | 0,32 | 0,37 | 0,44 | 0,43 | 0,47 | 0,48 | 0,48 | 
| 0,51 a 1,00 | 0,54 | 0,52 | 0,49 | 0,47 | 0,46 | 0,46 | 0,48 | 
| 1,01 a 1,50 | 0,55 | 0,54 | 0,51 | 0,50 | 0,46 | 0,51 | 0,50 | 
| 1,51 a 2,00 | 0,56 | 0,56 | 0,58 | 0,62 | 0,58 | 0,60 | 0,62 | 
| 2,01 a 3,00 | 0,60 | 0,61 | 0,65 | 0,66 | 0,65 | 0,63 | 0,67 | 
| 3,01 a 4,00 | 0,65 | 0,65 | 0,66 | 0,64 | 0,62 | 0,58 | 0,66 | 
| 4,01 a 5,00 | 0,68 | 0,66 | 0,64 | 0,62 | 0,59 | 0,56 | 0,66 | 
| 5,01 a 7,00 | 0,68 | 0,65 | 0,62 | 0,61 | 0,59 | 0,56 | 0,65 | 
| 7,01 a 10,00 | 0,67 | 0,62 | 0,62 | 0,63 | 0,60 | 0,58 | 0,65 | 
| 10,01 a 15,00 | 0,69 | 0,63 | 0,64 | 0,64 | 0,62 | 0,63 | 0,68 | 
| 15,01 a 20,00 | 0,71 | 0,65 | 0,68 | 0,68 | 0,66 | 0,66 | 0,70 | 
| Mais de 20,00 | 0,76 | 0,73 | 0,73 | 0,72 | 0,71 | 0,70 | 0,74 | 
| MULHERES | |||||||
| Faixas de rendas | 1995 | 2000 | 2005 | 2010 | 2015 | 2020 | 2024 | 
| Até 0,50 | 0,68 | 0,63 | 0,56 | 0,57 | 0,53 | 0,52 | 0,52 | 
| 0,51 a 1,00 | 0,46 | 0,48 | 0,51 | 0,53 | 0,54 | 0,54 | 0,52 | 
| 1,01 a 1,50 | 0,45 | 0,46 | 0,49 | 0,50 | 0,54 | 0,49 | 0,50 | 
| 1,51 a 2,00 | 0,44 | 0,44 | 0,42 | 0,38 | 0,42 | 0,40 | 0,38 | 
| 2,01 a 3,00 | 0,40 | 0,39 | 0,35 | 0,34 | 0,35 | 0,37 | 0,33 | 
| 3,01 a 4,00 | 0,35 | 0,35 | 0,34 | 0,36 | 0,38 | 0,42 | 0,34 | 
| 4,01 a 5,00 | 0,32 | 0,34 | 0,36 | 0,38 | 0,41 | 0,44 | 0,34 | 
| 5,01 a 7,00 | 0,32 | 0,35 | 0,38 | 0,39 | 0,41 | 0,44 | 0,35 | 
| 7,01 a 10,00 | 0,33 | 0,38 | 0,38 | 0,37 | 0,40 | 0,42 | 0,35 | 
| 10,01 a 15,00 | 0,31 | 0,37 | 0,36 | 0,36 | 0,38 | 0,37 | 0,32 | 
| 15,01 a 20,00 | 0,29 | 0,35 | 0,32 | 0,32 | 0,34 | 0,34 | 0,30 | 
| Mais de 20,00 | 0,24 | 0,27 | 0,27 | 0,28 | 0,29 | 0,30 | 0,26 | 
Existe uma expectativa de que o aumento do grau de formação resulte em melhoria nas remunerações dos trabalhadores. Assim, este trabalho buscou analisar se esta hipótese no caso das mulheres. Destaca-se que nas últimas três décadas, houve um aumento da qualificação no Brasil, conforme dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Registra-se, neste período, um crescimento de 440% da formação de nível superior no Brasil. Em 1995, por exemplo, 254 mil profissionais foram graduados em todo o país. Esse feito se distingue do movimento ocorrido desde os anos 1980, que registrou um baixíssimo crescimento no número de matrículas e titulados.
Com a evolução no número de matrículas e titulados, espera-se que tenha havido uma melhoria nas condições de trabalho e remuneração dos trabalhadores melhor qualificados no Brasil e, neste contexto, na situação das mulheres no mercado de trabalho. Entretanto, como é possível observar no quadro abaixo, nem mesmo a melhora na qualificação promoveu uma igualdade de renda entre homens e mulheres no mercado de trabalho brasileiro. Embora as mulheres com titulação de doutorado tenham tido suas situações melhoradas nos primeiros estratos de rendas, esta melhora só se observa até a faixa de sete salários mínimos, a partir daí, os homens voltaram a ser maioria.
Quadro 2: Participação de homens (1) e mulheres (2) com nível superior por faixas de rendas no Brasil, 1995-2024
| HOMENS | ||||||
| Faixas de rendas | 1995 | 2006 | 2010 | 2015 | 2020 | 2024 | 
| Até 0,50 | 0,02 | 0,44 | 0,43 | 0,47 | 0,48 | 0,48 | 
| 0,51 a 1,00 | 0,54 | 0,49 | 0,47 | 0,46 | 0,46 | 0,48 | 
| 1,01 a 1,50 | 0,55 | 0,52 | 0,50 | 0,46 | 0,51 | 0,50 | 
| 1,51 a 2,00 | 0,56 | 0,60 | 0,62 | 0,58 | 0,60 | 0,62 | 
| 2,01 a 3,00 | 0,60 | 0,65 | 0,66 | 0,65 | 0,63 | 0,67 | 
| 3,01 a 4,00 | 0,65 | 0,65 | 0,64 | 0,62 | 0,58 | 0,66 | 
| 4,01 a 5,00 | 0,68 | 0,62 | 0,62 | 0,59 | 0,56 | 0,66 | 
| 5,01 a 7,00 | 0,68 | 0,61 | 0,61 | 0,59 | 0,56 | 0,65 | 
| 7,01 a 10,00 | 0,67 | 0,62 | 0,63 | 0,60 | 0,58 | 0,65 | 
| 10,01 a 15,00 | 0,69 | 0,64 | 0,64 | 0,62 | 0,63 | 0,68 | 
| 15,01 a 20,00 | 0,71 | 0,68 | 0,68 | 0,66 | 0,66 | 0,70 | 
| Mais de 20,00 | 0,76 | 0,73 | 0,72 | 0,71 | 0,70 | 0,74 | 
| MULHERES | ||||||
| Faixas de rendas | 1995 | 2006 | 2010 | 2015 | 2020 | 2024 | 
| Até 0,50 | 0,68 | 0,56 | 0,57 | 0,53 | 0,52 | 0,52 | 
| 0,51 a 1,00 | 0,46 | 0,51 | 0,53 | 0,54 | 0,54 | 0,52 | 
| 1,01 a 1,50 | 0,45 | 0,48 | 0,50 | 0,54 | 0,49 | 0,50 | 
| 1,51 a 2,00 | 0,44 | 0,40 | 0,38 | 0,42 | 0,40 | 0,38 | 
| 2,01 a 3,00 | 0,40 | 0,35 | 0,34 | 0,35 | 0,37 | 0,33 | 
| 3,01 a 4,00 | 0,35 | 0,35 | 0,36 | 0,38 | 0,42 | 0,34 | 
| 4,01 a 5,00 | 0,32 | 0,38 | 0,38 | 0,41 | 0,44 | 0,34 | 
| 5,01 a 7,00 | 0,32 | 0,39 | 0,39 | 0,41 | 0,44 | 0,35 | 
| 7,01 a 10,00 | 0,33 | 0,38 | 0,37 | 0,40 | 0,42 | 0,35 | 
| 10,01 a 15,00 | 0,31 | 0,36 | 0,36 | 0,38 | 0,37 | 0,32 | 
| 15,01 a 20,00 | 0,29 | 0,32 | 0,32 | 0,34 | 0,34 | 0,30 | 
| Mais de 20,00 | 0,24 | 0,27 | 0,28 | 0,29 | 0,30 | 0,26 | 
Fica evidente, assim, que a situação de desigualdade das mulheres no mercado de trabalho brasileiro persistiu nas últimas três décadas, com uma tímida melhora. A piora dos últimos anos parece indicar os efeitos da pandemia sobre a situação das mulheres no mercado de trabalho, resultado em perdas das (poucas) conquistas obtidas nos últimos anos. A situação chama a atenção para a necessidade de políticas afirmativas para solucionar as desigualdades de gênero. Em especial, é preciso que as políticas foquem questões que são, historicamente, tratadas como “coisas de mulher”. Políticas sociais voltadas à questão do cuidado, por exemplo, são uma alternativa para solucionar problemas que, geralmente, afetam mais as mulheres. Dentre estas, a construção de creches e espaços de cuidados para crianças em idade escolar, espaços de cuidados para cuidados de idosos e pessoas com necessidades especiais, além de conscientização sobre o papel das mulheres no mercado de trabalho e, no limite, a aplicação de medidas punitivas em casos de tratamento desigual para mulheres no mercado de trabalho.
(* A professora Ednalva Felix das Neves escreveu o artigo em conjunto com o estudante do Programa de Pós-Graduação em Economia e Desenvolvimento da UFSM, GUSTAVO LUIS RAMOS SANTOS, e com a estudante do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da UFSM, GIOVANA ANGELOTI)
Sobre o(a) autor(a)
Professora do departamento de Economia e Relações Internacionais da UFSM
 
                