CEPE da UFSM aprova cursos de pós-graduação pagos e põe princípio da gratuidade em risco SVG: calendario Publicada em
SVG: atualizacao Atualizada em 19/11/21 17h25m
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Minuta que institui cobrança na pós segue para apreciação pelo Consu na próxima sexta, 26

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Entidades denunciaram caráter privatista contido na minuta de resolução

Em uma votação com resultado apertado, o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE) da UFSM aprovou, na manhã desta sexta-feira, 19, a minuta de resolução que regulamenta os cursos de pós-graduação lato sensu, permitindo a cobrança de taxas e mensalidades por tais especializações. Tanto o reitor Paulo Burmann quanto seu vice (e reitor eleito) Luciano Schuch votaram favoráveis à minuta que, na avaliação de coletivos, movimentos sociais e entidades representativas estudantis e sindicais, sinaliza uma afronta ao caráter público e gratuito da universidade, abrindo largo caminho à maior proliferação de parcerias público-privadas, a interferências mercadológicas nos planos de ensino dos cursos e a uma elitização da pós-graduação.

Cabe destacar que a mesma sessão na qual foi aprovada a oferta de cursos pagos por parte da UFSM foi também a que deliberou favoravelmente às ações afirmativas na pós-graduação, reservando cotas para pessoas pretas, pardas, com deficiências ou pertencentes a demais minorias sociais. Para Neila Baldi, diretora da Sedufsm e conselheira do CEPE, há uma flagrante contradição entre uma e outra política aprovadas.

“Ao mesmo tempo em que temos políticas de ações afirmativas, tanto na graduação quanto na pós, temos em pauta o pagamento da pós-graduação. Ou seja, eu tento ampliar o acesso para alguns e algumas, mas eu tiro o acesso quando instituo uma cobrança. Viemos, nas últimas duas décadas, trabalhando por uma inclusão dentro das universidades públicas. Quando aprovamos cursos de pós-graduação pagos, começamos a abrir a porteira para a boiada passar. A pós paga, mesmo que em cursos eventuais, criará um arcabouço para que o governo proponha mensalidades em toda a pós-graduação, retomando inclusive a ideia ‘vouchers’. Não podemos ignorar o momento em que estamos vivendo. Temos um governo neoliberal, de ultradireita, que inclusive já iniciou propondo o ‘Future-se’”, recorda Neila.

Para a docente, se o governo vem impondo duros cortes orçamentários às universidades públicas, é preciso que as comunidades acadêmicas, em conjunto com a sociedade, mobilizem-se para pressionar por mais investimentos, ao invés de se adequarem ao cenário de inanição e tentarem captar recursos por conta própria a partir de parcerias com empresas.

“O Estado tira recursos da educação, mas tem recursos para aprovar a PEC dos Precatórios, por exemplo. Qual a prioridade? Não faz sentido irmos na mesma lógica do governo neoliberal. Possibilitar pagamento na pós-graduação pública é, sim, possibilitar a privatização do ensino. O debate de hoje é: que universidade nós queremos? Quero uma universidade pública, gratuita, de qualidade e laica, e isso não se alinha ao pagamento de mensalidades na pós”, argumenta Neila.

Mateus Lazzaretti, integrante do DCE UFSM, também ressalvou o descompasso existente entre tentar ampliar o acesso à pós-graduação via ações afirmativas e, logo em seguida, restringir tal acesso mediante obrigatoriedade de pagamento.

“Os avanços na nossa história sempre foram acompanhados de contrapesos antidemocráticos, que limitam o acesso mais geral. O quão contraditório é que estejamos conseguindo esse avanço de ações afirmativas na pós-graduação, ao mesmo tempo em que colocamos um contrapeso que abre a possibilidade de cobranças na pós-graduação?”, questiona o estudante. Ao responder defesas de alguns conselheiros e conselheiras favoráveis às cobranças por essas supostamente representarem uma maior flexibilidade da universidade às demandas profissionais de formação, ele lembra que, nas últimas vezes em que a palavra ‘flexibilização’ foi utilizada, serviu como bomba no colo do povo.

“Tivemos a flexibilização da legislação trabalhista e das regras da previdência, com impactos fortemente negativos. Abrir um precedente desses em um momento como o que estamos vivendo é extremamente perigoso”, conclui.

Quem vai ficar de fora?

Não é possível aprovar qualquer política sem olhar para a totalidade. Só assim será possível entender quais os impactos e desdobramentos que uma ação poderia ter ou potencializar. Num país de formação social como o Brasil, destacou o vice-presidente da Sedufsm, Ascísio Pereira, que participou do CEPE na condição de conselheiro, instituir cobranças é, necessariamente, embranquecer espaços.

“Os cursos pagos estarão cheios de brancos e brancas. E, para confirmar isso, é só olhar para as estatísticas. Quem mais morre no Brasil é preto. Quem recebe o menor salário no Brasil é a população negra. Essa população, com raras exceções, vai estar fora dos cursos que tenham pagamento. E as exceções só serve para confirmar a regra - a regra da exclusão”, critica.

A justificativa apresentada pelos setores que defendem a oferta de especializações pagas é de que essas não comporiam a grade permanente de cursos ofertados pela instituição, consistindo em turmas eventuais, não regulares e com objetivo de sanar demandas específicas de formação. Ocorre que, mesmo sendo demandas específicas, podem ser bastante importantes à atuação profissional, devendo, então, serem disponibilizadas de forma gratuita. Pereira acredita que, se a universidade possui estrutura e corpo docente para ofertar tais cursos, faço-o de forma gratuita. “A universidade tem de ser socialmente referendada para além dos discursos. Não educamos para o mercado, educamos com o intuito de formação integral do ser humano”, atesta o dirigente da Sedufsm.

Autorizar que a universidade, em parceria com empresas, oferte cursos privados, tenderá a criar uma disparidade entre as áreas do conhecimento, visto que uma educação para o mercado dificilmente priorizará o investimento em áreas das ciências sociais, humanas ou das artes. É o que frisou o conselheiro Daniel Balin, também integrante do DCE UFSM.

“O aporte público é a única possibilidade que temos de que a universidade cresça de forma igualitária. Se em 2019 fizemos uma audiência pública e barramos o ‘Future-se’, não podemos agora abrir essa brecha. Temos de estar sempre combatendo práticas de precarização do ensino e cortes de verbas”, disse. De fato, em 2019, estudantes, docentes e técnico-administrativos em educação protagonizaram uma grande mobilização contra o projeto privatista do governo Bolsonaro, conseguindo lotar o Centro de Convenções da universidade em uma audiência pública que sinalizou para a rejeição integral ao 'Future-se'. 

Balin também fez a leitura, durante a reunião do CEPE, da carta assinada por 19 entidades sindicais, estudantis e sociais, e endereçada aos conselheiros e conselheiras. “Pedimos que o conselho não aceite que a UFSM decida cobrar por nenhum curso. Apresentaremos nosso parecer de vistas que visa aprovar a resolução, porém suprimir os artigos que permitem eventuais cobranças nos cursos de pós-graduação. Acreditamos que o acesso à universidade pública, incluindo cursos de especialização eventuais, é direito de todes e, por isso, não deve ser limitado por condições financeiras”, aponta trecho da nota.

Discussão

No CEPE desta sexta, a fundamentação apresentada pelo relator do pedido de vistas, Maurício Fanfa, da Associação de Pós-Graduandos(as), e elaborada coletivamente por entidades sindicais e representações estudantis da UFSM, foi baseada na defesa de universalidade do acesso à educação superior pública, em todos os seus níveis. “Ofertar cursos pagos em contexto de crise é colocar a universidade, mais uma vez, à disposição das elites”, salientou o conselheiro, lembrando, também, que ao estabelecer uma relação tão próxima com setores do mercado, a universidade tende a perder a autonomia didático-científica necessária para que a oferta de cursos seja realizada tendo em vista as necessidades da população.

Outro elemento destacado no relatório apresentado por Fanfa é o fato de que o debate acerca da oferta de cursos pagos na UFSM não foi efetivamente feito com a comunidade acadêmica. Em dezembro de 2017, frisou o relator, a instituição enviou um email às direções de centro, dando o prazo de até 15 de janeiro de 2018 para um retorno acerca da minuta. Além de um prazo extremamente exíguo para que os centros se posicionassem, o período foi marcado pelo final de semestre e pelo recesso de fim de ano. A minuta que entrou em debate nesta sexta, embora cite que o email foi enviado aos centros, não anexa o retorno de nenhum dos centros.

“Não há documentado no processo nenhuma manifestação favorável às cobranças por parte da comunidade acadêmica. Não houve debate e ampla consulta à comunidade acadêmica para justificar interesse na proposta. As entidades representativas também não foram consultadas”, disse Fanfa, lembrando, ainda, que a UFSM aprovar uma resolução como essa, instituindo taxas na pós, demandaria alterações no estatuto da universidade, que prevê a gratuidade do ensino.

Embora em 2017 o STF tenha decidido favoravelmente à cobrança de mensalidades em cursos de pós-graduação lato sensu oferecidos por universidades públicas, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 395/2014 não passou na Câmara dos Deputados, sendo arquivada. À época, foi a pressão de entidades como ANDES-SN, Fasubra e ANPG que garantiu a permanência da gratuidade em todos os níveis. “Assim, cobrar seria uma decisão ainda mais conservadora que a do Congresso”, salienta Fanfa.

A proposta defendida no pedido de vistas elaborado conjuntamente pelas entidades era de que a minuta que regulamenta os cursos lato sensu fosse aprovada, porém com exclusão dos artigos 20, 21, 24 e 25, que possibilitam cobranças, e consequente inclusão de um artigo que reafirme o caráter público desses cursos.

Tramitação

Após ser aprovada, por 25 votos a 24 (embora a reitoria não tenha se disponibilizado a recontar os votos, mesmo após manifestação de um conselheiro que atestou ter se confundido no momento da votação), a minuta de resolução segue para apreciação do Conselho Universitário (Consu) na próxima sexta-feira, 26 de novembro.

Nas últimas semanas, Sedufsm, DCE, Assufsm, Atens, APG e Sinasefe fizeram reuniões, abaixo-assinados e ato público (nesta manhã, em frente à reitoria, enquanto ocorria a reunião) buscando conscientizar a população a respeito dos riscos privatistas que a universidade corria. O próximo capítulo da luta, agora, é o diálogo junto aos e às integrantes do Consu, bem como à comunidade externa.

 

Texto: Bruna Homrich

Assessoria de Imprensa da Sedufsm 

 

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