Paradoxo da política econômica brasileira em tempos de coronavírus SVG: calendario Publicada em 19/06/2020 SVG: views 1368 Visualizações

Rita Inês Paetzhold Pauli
Sibele Vasconcelos de Oliveira

Professoras do departamento de Economia e Relações Internacionais e do 
Programa de Pós-Graduação em Economia e Desenvolvimento da UFSM 

O mundo acompanha com apreensão as consequências da propagação do coronavírus. A Organização Mundial da Saúde estima que a pandemia já atinge 189 países, vitimando cerca de 500 mil pessoas, das quais mais de 19,5 mil vieram a óbito. Para além dos impactos diretos sobre as condições de saúde da população, o Covid-19 vem exercendo influência sobre as dinâmicas de organização social, exigindo das instituições políticas capacidade de governança e coordenação pública neste período tão hostil.

Inúmeras nações impuseram medidas de isolamento social e vigilância sanitária, incluindo o fechamento de fronteiras e diminuição das atividades produtivas daqueles serviços considerados não essenciais. Nos países mais pobres do mundo, os esforços para conter a difusão do número de vítimas esbarram em serviços de saúde precários, infraestrutura de atendimento à população insuficiente e em governos despreparados para encarar uma crise da magnitude que se apresenta.

Os efeitos da crise serão percebidos nas diversas dimensões da vida social. A diminuição do ritmo da atividade produtiva imputará dificuldades para que os empresários honrem com seus compromissos, o desemprego deve crescer, assim como a informalidade. A julgar as condições de reprodução capitalista no Brasil, os pequenos empreendedores, trabalhadores informais e assalariados são os mais vulneráveis neste ciclo de recessão que se inicia.

Tal cenário revela incongruências importantes entre as demandas sociais necessárias para que possamos superar com tranquilidade o momento atual e a orientação de algumas políticas anunciadas recentemente pelo governo brasileiro. Ao protocolar a Medida Provisória n. 927 de 20 de março de 2020, por exemplo, o governo federal manifesta apatia e indiferença à realidade de privações que muitos brasileiros vivenciam. Abre-se espaço para a normalização da miséria, fome e subdesenvolvimento.

Ressalta-se desde já que, em termos econômicos, são os grandes capitais que direcionam seus investimentos aos setores mais rentáveis, relegando os setores de menor rentabilidade aos pequenos produtores, que – substancialmente - perfilam a informalidade. Frente a este contexto, é fácil compreender que a economia informal ocupa as brechas deixadas pelos grandes capitais. Dentro de uma dinâmica cíclica, é exatamente nos períodos de menor crescimento do PIB que aumenta o número de pequenos empreendimentos, sendo que no Brasil temos mais de 1/3 das pessoas vinculadas à economia informal. O número de trabalhadores informais é tão expressivo exatamente porque o desemprego no Brasil é grande. Por não serem aproveitados no mercado de trabalho formal, obrigam-se a buscar renda no mercado informal.

Neste contexto caótico, a maior parte dos recursos atuais está sendo orientada para ajudar o sistema financeiro e grandes empresas que não vão “quebrar” com a mesma facilidade do que os pequenos empreendimentos. Isto porque o benefício de até R$ 200 para trabalhadores informais e autônomos, apesar de abrangente, não terá repercussão nenhuma se a ideia é pensar na possibilidade desses recursos evitarem a bancarrota desses empreendimentos.

Assim sendo, nesse momento não é factível discutir nenhum tipo de reformas - nem a trabalhista nem a previdenciária - tal como nosso Ministro Paulo Guedes propala, pois - com certeza - isso reduziria nossa capacidade em atuar nas linhas emergenciais que o momento atual exige, gerando mais vulnerabilidades sobre a classe trabalhadora brasileira.

Não há dúvidas de que o governo, ao minimizar o problema da pandemia do coronavírus demonstra sua irresponsabilidade. Tal fato não contribui somente para aumentar o número de indivíduos infectados pela Covid-19 no país, mas também afeta gravemente a economia como um todo e, principalmente, a classe trabalhadora e os pequenos empreendedores, que representam os polos mais fracos do sistema capitalista.

Há que se entender, portanto, que a desaceleração do crescimento não é particularidade do Brasil, porém, a não interrupção das atividades atuais pode piorar ainda mais a desmobilização de recursos no médio e longo prazos. A economia informal - muitas vezes - é constituída exatamente dos desempregados e esse número (absoluto e relativo) de desempregados tende a aumentar a cada vez que se está no período de inflexão do ciclo, ou seja, na depressão.

A gravidade do atual quadro com coronavírus deve ser entendida sobrepujante àquele em que o governo atual já vinha atuando, isto é, a partir de uma verdadeira obsessão pelo “equilíbrio” orçamentário e, portanto induzindo, aos cortes do gasto público. O momento é de o Estado brasileiro capitanear a crise, instituir políticas públicas que possibilitem o fortalecimento do Sistema Único de Saúde e da pesquisa científica nacional. Da mesma forma, cabe ao Estado brasileiro utilizar instrumentos de política macroeconômica que minimizem os impactos da crise sobre os mais vulneráveis.

Dentre tantas outras demandas, o Covid-19 denuncia a necessidade da interiorização dos serviços em saúde no Brasil, assim como o estabelecimento de uma rede de proteção social para trabalhadores assalariados e informais. No país onde mais de 41% da população ocupada realiza trabalho informal, pobreza e desigualdade crescem a ritmo acelerado mesmo antes da pandemia, não há espaço para convicções liberais.

Finalmente, o debate sobre a nova conjuntura e repercussões da presença do coronavírus e seus efeitos na saúde e economia está recém iniciando. Com certeza os países mais vulneráveis são aqueles em que o percentual de infectados será maior, isto porque uma menor infraestrutura logística peculiar a esses países é decisiva vis a vis ao crescente número de infectados. Ressalta-se ainda que o novo rumo da pesquisa econômica certamente irá na contramão da tendência em estudos do mainstream que pautam suas análises em modelos matemáticos.

A interrelação da economia com a política é o grande campo de estudos que se abre. As decisões políticas afetam a saúde e a economia. Sem saúde não há consumo. O nosso governo federal vem cedendo às pressões dos grandes empresários que o elegeram, quando deveria aumentar o gasto público para reduzir a queda do PIB que afetará principalmente os que já são os “barrados do baile”.