Apontamentos sobre rumos da política brasileira para a agricultura familiar e o problema ambiental SVG: calendario Publicada em 20/07/2022 SVG: views 1469 Visualizações

A agricultura familiar é uma categoria em que a propriedade e o trabalho apresentam estreita vinculação com a família, tendo uma importância crucial na produção diversificada de alimentos. É, também, aquela que ocupa a maior parte dos estabelecimentos rurais do país. Apesar de sua importância no âmbito produtivo e concentração populacional, carece de uma atenção merecida e inserção adequada no mercado. Disso resulta a manutenção de uma fragilidade desse grupo social, uma vez que assim como os demais segmentos sociais necessita reproduzir sua família em condições dignas. Obviamente que uma análise mais acurada remete a uma realidade em que há diferentes níveis de carências, uma vez que a agricultura familiar é uma categoria heterogênea e, a parcela de agricultores familiares mais capitalizados sofrem menos consequências no apoio governamental, pois conseguem se inserir de forma facilitada, especialmente no que tange ao acesso à algumas políticas públicas.

Reitera-se que a esmagadora maioria dos estabelecimentos da agricultura familiar ocupam-se na produção de alimentos para o mercado interno, garantindo a segurança alimentar, porém, tem alocação de recursos financeiros governamentais bem inferiores aos estabelecimentos patronais. Historicamente, as políticas públicas privilegiam a produção em larga escala a partir da instituição - ainda no período do governo militar na década de 1960 - do Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR). O apoio à agricultura familiar é bem mais recente, inicia em 1995 com o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), seguem outras políticas públicas a exemplo da Política Nacional de Assistência Social (PNATER), o Seguro da Agricultura familiar (SEAF), a Política de garantia de Preços Mínimos (PGPM) o Programa de garantia de Preços da Agricultura familiar (PGPAF), Selo Nacional da agricultura Familiar (SENAF), o Programa nacional da Alimentação Escolar (PNAE), dentre vários outros Programas. Contudo, os montantes financeiros orientados para proprietários patronais, no ano agrícola de 2020/21 foi de R$ 236 bilhões, financiando o agronegócio. Para o mesmo ano agrícola, o orçamento do PRONAF foi de R$ 33 bilhões.

De fato, a discrepância dos recursos financeiros alocados em favor do agronegócio vincula-se a opção de escolha de inserção externa do Brasil pela via primária. Se buscar superávits na balança comercial é importante para um país, disso não resulta ausência de uma série de contradições, tais como o privilégio a grupos específicos. Além disso, certamente aprofunda a vulnerabilidade e perda de autonomia pois, a qualquer contratempo na demanda externa provocada por crises ou de alteração da política externa na busca de autossuficiência alimentar nos atuais países importadores, pode colocar em risco a “opção” brasileira. Sem contar no que ainda é mais grave, o modelo da economia do agronegócio cria uma falsa ideia de “celeiro produtivo” e de que a economia é exitosa prescindindo de um projeto de desenvolvimento mais amplo, inclusivo, e que universalize o acesso aos direitos sociais. Afasta qualquer debate sobre a reforma agrária, uma vez que no véu que encobre tudo, na forma e não na essência o modelo funciona e é suficiente pois, o agro é tech, pop e tudo o mais.

Diante da opção brasileira que preconiza velhos modelos que enfatizam “vantagens comparativas naturais”, nos afastamos da resolução de emergentes e complexos problemas sociais e ambientais. Ao contrário, acirram e se sobrepõem aos já existentes, especialmente quando analisados os dados reais de crescimento no uso de agrotóxicos e no avanço de cultivos em áreas de floresta nativa e da perda da biodiversidade da flora e fauna brasileira. Não é porque os dados mostram que nosso país é o maior detentor da biodiversidade do planeta que isso nos dá o direito de negligenciar e colocar em risco nossa posição atual. Ou que na questão ambiental podemos agir desrespeitando àqueles que cultivam a terra de forma sustentável ou até exterminando ambientalistas nacionais e internacionais bem-intencionados e colaboradores nessa luta. 

Na verdade, nem tudo são pedras. Na ação pública vislumbram-se ciclicamente retrocessos, mas, não se pode negligenciar os avanços resultantes de conquistas sociais. Há na atualidade políticas específicas que incluem alguns grupos sociais diversos, tais como: quilombolas, extrativistas, indígenas, e no PRONAF são contempladas as diferenças de gênero: o Pronaf Jovem, o Programa Nacional de Educação no Campo (PRONACAMPO) etc. De fato, várias dessas políticas, se ampliadas, podem agir localmente e, a partir de um fomento, ações e contribuições para além do apoio do poder público e federativo em diferentes níveis, a exemplo das universidades, de ações de Organizações não governamentais, com estímulo ao cooperativismo e economia solidária. A relação com a terra e cultivos sustentáveis tradicionalmente praticados pelos agricultores familiares redundam não somente em uma oferta alimentar saudável pelo uso de tecnologias sustentáveis. Também são capazes de conservar a fertilidade do solo e inclusive restaurar áreas degradadas.     

 

Sobre o(a) autor(a)

SVG: autor Por Rita Inês Paetzhold Pauli
Professora do departamento de Economia e Relações Internacionais

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