Leonel Itagiba de Moura, o Brizola: Memória e História Publicada em 02/02/2022 2919 Visualizações
Em uma tarde fria de 21 de junho de 2004, eu (então diretor da SEDUFSM, na Gestão Integração) e o saudoso Joél Abílio Pinto dos Santos (integrante do Conselho de Representantes de nossa Seção Sindical) demos uma entrevista para o Rascunho, o jornal da Cooperativa dos Estudantes de Santa Maria (CESMA). Não imaginávamos que, no mesmo dia, Leonel de Moura Brizola iria falecer, fulminado por um infarto agudo do miocárdio.
Naquele ano eleitoral, impactados pela notícia, em uma sala do prédio da Antiga Reitoria, no centro da cidade, nossa obrigação foi terminar a interlocução que tratava da Retrospectiva Histórica sobre eleições em Santa Maria, matéria publicada na edição de julho do mesmo ano.
Joél sempre se confessava: “Não sou pedetista, nem getulista, sou brizolista!”. Por isto, o efeito da informação era ainda mais desolador, sobretudo ao meu colega de Departamento.
No dia seguinte, foi impossível conter as lágrimas, sobretudo quando o corpo do ex-governador do Rio Grande do Sul adentrou o Palácio Piratini, em Porto Alegre, acompanhado dos versos de sua música preferida, “Querência amada”, de Teixeirinha. Quem sabe um pouco mais sobre a Formação Histórica de nosso estado, não ficaria incólume com aquele momento simbólico. Antes de rumar para “sua última morada”, em São Borja, onde está enterrado no Cemitério Jardim da Paz, acompanhada de sua Neusa, de seu cunhado João Goulart e de outros familiares, passar pelo Palácio do Governo, de onde liderou a Campanha da Legalidade, em 1961, era o reconhecimento de que por ali entrava, pela última vez, um dos grandes brasileiros em toda a sua História.
Os contumazes golpistas de nossa História Republicana não aceitavam a posse de João Goulart, após a renúncia de Jânio Quadros, em 24 de agosto de 1961. Jango se encontrava na China, abrindo conversações multilaterais de política externa do País, no início do novo governo, quando a insólita abdicação do governo estabelecia, constitucionalmente, que o vice-presidente deveria assumir. Os reacionários de plantão não aceitavam um novo governante trabalhista, mesmo com uma prática conciliatória de classes. Na linha de frente da Rede da Legalidade, se levantou o governador rio-grandense, BRIZOLA, em uma das memoráveis lutas pela democracia brasileira. O resultado vitorioso quase todos conhecem: o Golpe foi adiado por quase três anos, transformando-se em um movimento nacional pela posse de Jango, reunindo legalistas, progressistas, trabalhistas e comunistas, uma página épica de nossa História. Na ocasião da Legalidade, foi Brizola que disse o que todo brasileiro legalista pensava sobre os que não aceitavam João Goulart no Planalto, dirigindo-se ao general Artur da Costa e Silva, então comandante do Exército em Recife: “Seu general golpista, FDP!”.
Esta foi uma página, mesmo que a mais gloriosa, de um governo contraditório, com todos os limites da institucionalidade, mas que estatizou a empresa de eletricidade e telefonia ITT, de capital estadunidense, criando a Companhia Rio-Grandense de Comunicações (CRT), criou a Caixa Econômica Estadual e levou adiante políticas sociais importantes como reforma agrária e a criação das “brizoletas”, escolas urbanas e rurais para os filhos dos trabalhadores do campo e da cidade, intoleráveis para o liberalismo conservador brasileiro, de origem escravista e colonial. Os entreguistas de plantão e os filhos da classe dominante abastada nunca aceitaram as proposições nacionalistas do trabalhismo, por isto estenderam seu ódio de classe a Brizola, taxando-o do que nunca foi, um comunista. Mas comunista no Brasil, assim como “populista”, é um elogio para qualquer um que defenda políticas sociais que ampliem as conquistas de direitos oriundas das reivindicações populares, que defenda a democracia política contra o Terrorismo de Estado das ditaduras burguesas, que defenda projetos nacionais anti-imperialistas e que exponha a nossa exploração histórica, seja pelas metrópoles, seja pelo capital financeiro.
Quem acha que isto é pouco, na passagem do centenário de Brizola (nascido em Carazinho - RS, em 22 de janeiro de 1922), pouco reconhece as grandes lutas políticas e sociais em nossa História. Da mesma cepa do ano das origens do Tenentismo, da Semana de Arte Moderna e da fundação do Partido Comunista do Brasil, este grande líder político, que foi engraxate, graxeiro, ascensorista e servidor público, tendo estudado para ser engenheiro, liderou a ala jovem do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), tornou-se deputado estadual, deputado federal e governador de dois estados (além do Rio Grande do Sul, governou o Rio de Janeiro por duas vezes, entre 1981 e 1987), além de ter ficado em terceiro lugar nas eleições de 1989, a primeira em que a minha geração votou para a Presidência da República. Com o Golpe de 1964, quando iniciou a famigerada Ditadura de longos 21 anos, estava na linha de frente dos perseguidos, tendo defendido a resistência armada, num primeiro momento. No exílio no Cone Sul ou na Europa, consolidou sua liderança política e, com a morte de Jango, no Uruguai, em 1976, tornou-se a liderança maior do trabalhismo, não sem antes ter sido novamente golpeado, quando, após a Anistia de 1979, quando voltou ao Brasil, por São Borja, teve a legenda do PTB retirada dos trabalhistas históricos por uma articulação sombria liderada pelo ditador João Baptista Figueiredo, restando-lhe estar na linha de frente para a organização do Partido Democrático Trabalhista, o PDT.
Nunca fui trabalhista, mesmo tendo morado em São Borja. Nunca fui brizolista, mesmo tendo votado nele e em Lula, nas eleições presidenciais de 1998, no primeiro e no segundo turnos. Por isto, uma esquerda que não tem empatia por Brizola e sua trajetória, não tem solidariedade com boa parte das lutas históricas do povo brasileiro, expressando uma suposta “consciência de classe” deslocada das questões nacionais no processo de luta de classe, bem como do Rio Grande do Sul, “mais uma estrela brilhante, na bandeira do Brasil”.
A terra das origens da Legalidade de 1961, na época liderada por Brizola, então, hoje, precisa retomar um rumo progressista, antifascista, antirracista, antimachista, anti-homofóbica, anti-negacionista, antiseparatista e, sobretudo, classista, para que a democracia seja, de fato, além de política, social e econômica, o quanto antes. Por este histórico de lutas e por Joél Abílio Pinto dos Santos, BRIZOLA, PRESENTE!
Sobre o(a) autor(a)
Por Diorge Alceno KonradProfessor Titular do departamento de História da UFSM