Por um 1º de Maio Combativo, Unitário, Classista e de Luta Publicada em 24/04/2024 658 Visualizações
A história dos trabalhadores brasileiros e mundiais passou a ter, a partir do século XIX, um momento simbólico de suas lutas e conquistas: o Primeiro de Maio. Esta história também tem interessado os historiadores e cientistas sociais.
No Brasil de outros tempos, como já versou Jorge Ben Jor, “todo dia era dia de índio, proprietários felizes da terra brasilis, mas agora eles só têm o dia 19 de abril”. Parafraseando o compositor, desde os primeiros tempos, todo dia é dia das trabalhadoras e dos trabalhadores, mas agora, parece que eles só têm o Primeiro de Maio.
Para os romanos, na escravidão antiga, maio era a data solene em homenagem às deusas Flora e Maia (simbolizavam o anúncio da primavera na Europa, com os folguedos das flores e cereais, e os tempos de felicidade), um dia sagrado em que se suspendia até o trabalho dos escravos. Durante o feudalismo, em maio, os camponeses realizavam grandes festas para agradecer as colheitas.
Os trabalhadores começaram a construir o Primeiro de Maio quando os movimentos sociais passaram a lutar pela redução da jornada de trabalho; quando fizeram as primeiras greves na história (na França atual, por artesãos, no século XIV). Coincidentemente, em 1º de maio de 1531, em Lucca, na Itália, aprendizes de artesanato manifestaram-se pedindo a fixação de um salário-mínimo e menor tempo de trabalho diário. Quarenta e oito anos depois, Felipe II, da Espanha, promulgou um decreto restringindo o trabalho dos mineiros para oito horas diárias [1].
Em 1819, em Manchester (maior cidade industrial da Inglaterra), manifestações contra a exploração do trabalho, na Praça de Saint Peter, levaram o chefe do governo, general Wellington a reprimir o movimento no episódio que ficou conhecido como Massacre de Peterloo. Os canhões provocaram um massacre contra os trabalhadores, mas o movimento conquistou o trabalho de até 12 horas para os menores até 16 anos. Cinco anos depois, as trade unions, já reconhecidas como sindicatos de trabalhadores realizaram a primeira greve na história por jornada de 8 horas. A partir daí, o movimento operário inglês ampliou a luta com reivindicações políticas mais amplas, como o voto universal secreto e as reformas sociais. Em decorrência, em 1847 conquistou a redução da jornada de trabalho dos adultos para 10 horas diárias. Em França, as manifestações operárias que vinham desde a Revolução Francesa, passaram a organizar grandes greves, principalmente a partir de 1830.
Em 1º de Maio de 1886, em Chicago, EUA, patrões e governo reprimiram manifestações de trabalhadores que reivindicavam a redução da jornada de trabalho para oito horas, resultando em vários operários mortos. As manifestações proletárias na cidade resultavam da decisão da Federação dos Grêmios e Uniões Organizadas dos EUA e Canadá[2] e dos Cavaleiros do Trabalho (sociedade secreta) em 1894, de realizar mobilização em todo o território dos EUA pelas 8 horas, na data de 1º de Maio de 1896. A razão mais provável para a escolha da data é que em Nova York e na Pensilvânia, nesse dia era comemorado o moving day, data em que se celebravam ou renovavam os contratos coletivos de trabalho com as empresas. Um ano e meio de preparação fizeram com que acontecessem manifestações em todo o país. Na data, a palavra de ordem unitária: “A partir de hoje nenhum operário deve trabalhar mais de 8 horas diárias. Oito horas de trabalho! Oito horas de repouso! Oito horas de educação!”.
No Chicago Times, dias antes, vários artigos de caráter terrorista, diziam, que “a prisão e o trabalho forçado eram a única solução possível para a questão social” e que “o melhor alimento que os grevistas poderiam ter era o chumbo”. Em Chicago (principal cidade operária dos EUA), fábricas foram fechadas, os transportes e o comércio paralisaram. Na Avenida Michigan, uma passeata de dezenas de milhares de trabalhadores, com suas famílias, se deslocou rumo à Praça Haymarket, onde discursaram trabalhadores de diversas nacionalidades. No alto dos edifícios e nas esquinas da Praça, soldados da Guarda Nacional e da Agência Pinkerton[3] vigiavam os trabalhadores, mas a manifestação acabou pacificamente.
Em 3 de maio, a greve continuou em muitas fábricas e estabelecimentos. Na fábrica McCormick Harvester, a polícia disparou como “advertência”, matando seis operários, ferindo cinco e prendendo centenas. No dia seguinte, nova manifestação na Praça Haymarket, para chorar os mortos. Quando a aglomeração começa a dispersar-se, 180 policiais atacaram com violência. Reforços uniformizados chegaram atirando em todas as direções. Até hoje não se sabe o número preciso de mortos[4]. Milhares de trabalhadores foram presos, decretou-se o Estado de Sítio e a proibição de sair-se às ruas. Em outubro, no julgamento dos líderes, alguns foram condenados à morte, outros à prisão perpétua e outros a prisão de quinze anos.
Em 14 de julho de 1889, no Centenário da Revolução Francesa, operários e intelectuais da Europa reuniram-se no Congresso Internacional de Paris. Dia 20, último dos debates, o belga Raymond Lavigne propôs uma data fixa como manifestação internacional dos trabalhadores pela redução da jornada de trabalho para 8 horas e outras reivindicações. Os anarquistas hesitaram na data proposta pelos socialistas da Internacional Comunista, reivindicando o 11 de novembro, dia em que os líderes de Chicago (todos anarquistas) foram executados após o julgamento.
Como o Primeiro de Maio de 1890, para uma manifestação similar, já havia sido decidido pela American Federation of Labor, no Congresso de Saint Louis, em dezembro de 1888, o Congresso da Paris adotou a data como Dia Internacional do Trabalho. Em 1890, grandes manifestações aconteceram por toda a Europa e os EUA. Na América Latina, comemorou-se na Argentina, no México e em Cuba (a maior delas). Engels, na ocasião, em novo prefácio do Manifesto Comunista, escreveu que gostaria de ver Marx vivo para presenciar a unidade dos trabalhadores do mundo. Um ano depois, no Congresso de Bruxelas, a II Internacional adotou a data oficialmente.
Atualmente, no entanto, para algumas correntes do movimento operário, o dia de luta foi ganhando outras dimensões: para alguns, para manifestações religiosas, em especial de romarias: para outros, para festa, com sorteios de prêmios, shows de artistas famosos etc., através de financiamento de grandes empresas nacionais e multinacionais.
Com o avanço do neoliberalismo no Brasil e o refluxo de setores significativos do movimento operário e sindical, diminuíram aqueles que defendem a data como um dia de luta em defesa dos direitos sociais dos trabalhadores, conquistados por anos de lutas, em defesa da legislação trabalhista, da previdência social, do direito de greve, da liberdade sindical etc.
No contexto da ofensiva neoliberal, para os setores combativos e classistas do movimento sindical, o Primeiro de Maio foi se tornando um dia de lutas políticas e econômicas: contra o neoliberalismo, a globalização, a ALCA, pela paz e contra a guerra; contra a retirada ou flexibilização dos direitos dos trabalhadores, por mais empregos e melhores salários, na defesa dos serviços públicos, da reforma agrária e contra as reformas trabalhista e previdenciária. Estas últimas foram consolidadas nos governos golpistas e de extrema direita de Michel Temer e Jair Bolsonaro, desregulamentando o mercado de trabalho e procurando destruir a organização sindical, numa conjuntura não só de defensiva e resistência de seus direitos sociais e trabalhistas, mas de derrotas da luta das trabalhadoras e trabalhadores.
Contudo, no contexto de derrota, a resistência sempre esteve presente, em nível local, nacional e internacional, exigindo a renovação e o fortalecimento do sindicalismo classista, com maior inserção no movimento real dos trabalhadores, com valorização dos mundos do trabalho. Nada disso é possível sem um movimento sindical organizado em torno da grande política no rumo de transformações estruturais, com autonomia, combativo, classista e de luta, sem oposição simplista nem adesismo acrítico aos governos do momento, sobretudo neste momento, de greve da categoria docente.
Este é um dos horizontes para o proletariado, a partir da sua unidade de classe, no rumo da sociedade em que todo dia será dia do trabalho.
Notas
* Professor do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em História, Doutor em História Social do Trabalho pela UNICAMP e Ex-Presidente da SEDUFSM (2006-2008).
[1] As referências históricas aqui apresentadas são extraídas de ROIO, José Luiz del. A história de um dia - 1º de maio. São Paulo, Ícone, 1998, já tendo sido apresentadas em: KONRAD, Diorge Alceno. História dos trabalhadores brasileiros e o 1º de Maio. In. ______; WEBER, Beatriz Teixeira (orgs.). Visões do mundo contemporâneo: caminhos, mitos e muros. Santa Maria: FACOS-UFSM, 2007, p. 187-196.
[2] Futura Association Federation Labory (AFL) ou Federação Norte-Americana do Trabalho.
[3] Irmãos Pinkerton, milícia privada formada por bandidos e ex-presidiários, famosa pelos métodos selvagens utilizados na repressão.
[4] Fala-se em 38 operários mortos e 115 feridos, mas sabe-se que muitos corpos foram enterrados escondidos.
Sobre o(a) autor(a)
Por Diorge Alceno KonradProfessor Titular do departamento de História da UFSM