Direitos humanos: pilar fundamental da democracia! SVG: calendario Publicada em 25/01/2023 SVG: views 2610 Visualizações

Ao adotar o slogan “União e Reconstrução”, o novo governo Lula que tomou posse em 1 de janeiro de 2023 dá a tônica do seu principal desafio, o fortalecimento da democracia, cujo pilar fundamental são os direitos humanos. Não há democracia sem respeito aos direitos humanos, sem o reconhecimento do outro como sujeito, como condição para a produção de vida e não de morte. Justamente, o vilipêndio dos direitos humanos foi a tônica do governo Bolsonaro, centrado, segundo o relatório da transição, em três principais dimensões: o revisionismo do significado histórico dos direitos humanos, as restrições à participação social e a precarização orçamentária, com o desmonte de políticas públicas. Instituições públicas foram aparelhadas e instrumentalizadas pelo negacionismo científico e ideologias de desumanização, produtoras de morte dos grupos mais vulneráveis.

O imenso desafio de união e reconstrução que marca o atual governo Lula está situado nos tempos do passado, do presente e do futuro. Não é possível a união no presente, para projeção de futuro, sem que contas com o passado sejam acertadas. Se as urnas em 2018 permitiram que vencesse um representante, cujos discursos de ódio, violência, autoritarismo e elogios à ditadura produziram identificação de massa ou simplesmente foram banalizados por um sentimento inebriante da antipolítica ou da anticorrupção, há algo profundo e grave situado na sociedade brasileira. Da nossa herança escravocrata, da dívida histórica brasileira aos povos indígenas, da ausência de respostas das nossas instituições diante da barbárie dos crimes perpetrados na ditadura, dos abusos de direito dentro de um projeto de poder visto nas ações da Lava Jato, permanecem as sementes do autoritarismo.

Quando há seis anos no Congresso Nacional, Bolsonaro homenageia o torturador da presidenta Dilma na votação de seu impeachment e é aplaudido por uma parcela da Casa, ao invés de ser cassado, o sinal de alerta do fascismo latente é dado, e se consolida nas próprias urnas dois anos depois. Assistimos no último dia 8 de janeiro, com a tentativa de golpe pela tomada dos prédios dos três poderes e a brutalidade bolsonarista, mais um capítulo do assombro do autoritarismo. Portanto, memória, verdade e justiça devem estar no cerne da atuação governamental! SEM ANISTIA, este foi o coro com que Lula foi ovacionado em sua posse, no dia 1 de janeiro.

O Decreto n. 11.341, de 1º de janeiro de 2023, que aprovou a estrutura regimental do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, incluiu nas políticas e diretrizes de sua competência os direitos das populações, para grupos desprezados pelo extinto Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, do governo Bolsonaro, como pessoas LGBTQIA+, pessoas em situação de rua, grupos sociais vulnerabilizados, além da pessoa idosa, da criança e do adolescente e da pessoa com deficiência. Foi criado o Ministério dos Povos Indígenas e recriados o Ministério das Mulheres e o Ministério da Igualdade Racial, este chamado de Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial no primeiro mandato Lula. Sob a liderança de um cientista na área dos direitos humanos, o professor Silvio Almeida, e três ativistas políticas representativas destas minorias, Sônia Guajajara, primeira mulher indígena a assumir um ministério, Cida Gonçalves e Anielle Franco, também já há a expectativa de recomposição das estruturas de participação social, imprescindíveis para o direcionamento das políticas públicas e respectivo controle social.

No dia da posse, Lula revogou o Decreto 9.759/2019 do governo Bolsonaro, promulgado após 100 dias de mandato, considerado um dos mais nocivos à democracia, porque extinguiu o equivalente a 75% dos órgãos participativos, como conselhos, comissões e fóruns, previstos na Política Nacional de Participação Social (PNPS) e no Sistema Nacional de Participação Social (SNPS), criados no governo Dilma, mantendo apenas aqueles criados por lei. Ou seja, uma medida para calar a voz da sociedade, descaracterizar políticas públicas e promover sua descontinuidade. Tais espaços eram considerados ameaças, dado o poder de veto e fiscalização pelo controle social. Os principais alvos atingiram setores essenciais como meio ambiente, direitos humanos, igualdade racial, mulheres, educação, assistência social, financiamento de infraestrutura aos mais pobres. Mais um passo para o autoritarismo, ao contrário de todos os outros governos eleitos pós redemocratização, que a partir da Constituição de 1988 aumentaram a participação social.

Um enorme prejuízo, conforme a pesquisadora Carla Bezerra, à transparência e gasto público, à redução de desigualdade, especialmente pelo orçamento participativo e capacidades estatais, já que as organizações da sociedade civil conseguem chegar mais longe, reduzindo vulnerabilidades, pobreza e fome. Sem estes espaços, diz ela, as pessoas não sabem onde recorrer. Ela cita o exemplo das conferências, pela sua importância como amplo processo de mobilização social em pautas que eventualmente são minoritárias no parlamento, sobretudo com o avanço da extrema direita, pois ganham força ali, a exemplo da demarcação de terras indígenas. Aliás, a pesquisadora destaca que justamente os conselhos que não puderam ser atingidos, porque sua previsão é prevista em lei, tais como o Conselho Nacional de Saúde e o Conselho Nacional de Direitos Humanos, e que mantiveram o seu funcionamento, tiveram um papel central durante a pandemia para a articulação do SUS e denunciar violações de direitos humanos das populações mais vulneráveis, com o acionamento de organismos internacionais.

Portanto, esse retorno da participação popular, recriação de conselhos participativos em todas as esferas da Administração Pública Federal, é um passo fundamental para o fortalecimento da agenda de direitos humanos e a democracia. O governo de transição de Lula foi constituído por um Conselho de Participação Social, com representantes de mais de 60 organizações. Ao revogar o ato de extinção destes colegiados de participação nos órgãos do governo e seus ministérios anunciarem a (re)criação de tais instâncias, Lula dá o primeiro passo para a reconstrução de políticas de inclusão social e promoção de direitos humanos.

No “revogaço” desde o primeiro dia de governo, também é muito simbólica a inclusão do Decreto n. 11.366 de 1º janeiro de 2023, que restringe o acesso a armamento e munições à população civil e abertura de clubes e escolas de tiros, uma mudança significativa no entendimento de segurança pública, como aquela que deve ser promovida pelo Estado, com justiça social, redução da fome e cultura de paz. Isto pressupõe o reconhecimento de vulnerabilidades, da diversidade da condição humana e do papel do Estado na promoção da vida e não da morte.

“Reflorestar mentes e corações”, palavras de Sônia Guajajara no seu discurso de posse, que falam muito sobre os desafios do governo Lula: despertar a consciência sobre a realidade, constituída nos consensos mínimos civilizatórios, apontada pela ciência, pela história e consubstanciada no constitucionalismo dos direitos humanos. Este é o papel das instituições republicanas e democráticas, portanto, a razão do Estado.

 

Fontes:

Cláudia Motta. Rede Brasil Atual. 12 de abril de 2019. Disponível em: <https://www.redebrasilatual.com.br/politica/2019/04/decreto-de-bolsonaro-extingue-orgaos-de-participacao-popular>

Natuza Nery. O Assunto. Participação popular de volta ao governo. Disponível em: <https://g1.globo.com/podcast/o-assunto/noticia/2023/01/13/o-assunto-879-participacao-popular-de-volta-ao-governo.ghtml>

Ian Kisil Marino. União e reconstrução. 12 de janeiro de 2023. Le Monde Diplomatique Brasil. Disponível em: <https://diplomatique.org.br/uniao-e-reconstrucao-as-perspectivas-para-o-novo-governo-lula/#dn12>

Gabinete de Transição Governamental. Relatório Final. Dezembro de 2022.