Eleições Municipais e a Agenda Migratória Publicada em 18/09/2024 182 Visualizações
As migrações internacionais, como agenda de políticas públicas, ainda demandam avanços significativos no campo do reconhecimento, apesar de, há sete anos, termos avançado em uma importante Política de Estado, pela sanção da Lei de Migração, 13.445/2017. Este novo marco legal assegurou a condição de sujeito de direitos ao migrante e estabeleceu um rol de garantias de direitos humanos e direitos fundamentais, além de contribuir para aprofundar a Política de Estado de proteção de refugiados, prevista na Lei n. 9.474/1997.
A despeito do reconhecimento no campo jurídico, o sujeito migrante ainda é compreendido pela sociedade de acolhida como em um lugar de subalternidade, porque é arraigado na ideia da identidade nacional ou do vínculo de nacionalidade, a exclusão do estrangeiro, uma lógica securitária das relações humanas. A xenofobia tende a ser constitutiva da subjetividade humana, constituída a partir da ideia da nacionalidade como lugar de proteção e amparo. O estrangeiro, o migrante, é estigmatizado como constante ameaça nesta lógica, sobretudo em tempos de crise econômica, quando, então, é falsamente associado à falta: aquele que irá tomar os empregos ou que irá sobrecarregar os serviços públicos, embora estruturalmente as crises decorram das dinâmicas econômicas com reflexos em todos os setores da vida e das escolhas políticas.
De outro lado, o migrante quando chega em uma sociedade de acolhida se depara com as barreiras de integração, como a linguística, documental, cultural, desinformação, dificuldade de acesso aos serviços públicos, ao trabalho em igualdade de condições, ao reconhecimento de sua formação profissional. Essas demandas necessitam respostas inclusivas, pelas políticas públicas. A construção destas políticas requer diretrizes convencionadas no âmbito dos três entes federados, de forma interinstitucional e intersetorial. Mas é no local que a vida acontece, onde o acolhimento e a integração devem estar na agenda.
Na atuação em incidência do coletivo Migraidh da UFSM ao longo dos 10 anos e nos diálogos com o Poder Público experienciados pelo grupo, a solicitação de dados sociodemográficos para pautar a questão migratória sempre foi uma constante. Isso se deve pelo fato de que tais dados constituem um dos instrumentos para a formulação de políticas públicas. Contudo, quando estes dados associados a um grupo social, como o de migrantes e refugiados, carecem de precisão estatística ou quando os valores numéricos, ainda que imprecisos, não são robustos, a tendência de desconsideração deste grupo social (vulnerável na sua constituição) da agenda da governança é ainda maior.
Em Santa Maria, o diagnóstico empreendido pelo Migraidh de levantamento da população migrante e refugiada, desenvolvido por meio da associação de uma série de bancos de dados relacionados com a presença de pessoas não nacionais residentes na cidade, identificou um percentual inferior a 0,5% dos habitantes do município. O diagnóstico apontou para a imprecisão da leitura dos dados abertos de diversos destes bancos de dados, tanto pela volatilidade em relação à documentação com residência, ou ausência em alguns destes bancos de dados de informações sobre nacionalidade, ou pela não articulação entre os bancos de dados, ou a desidentificação de nacionalidade de populações pequenas. Mas, a presença de grupo social associado a uma condição de vulnerabilização, a despeito de sua abrangência numérica, não pode ser negligenciada da agenda da governança. Há responsabilidade pública quanto ao aprofundamento da compreensão de uma realidade social e suas demandas.
Esta foi a leitura que norteou a instituição do Comitê Municipal de Atenção ao Migrante e Refugiado (COMIRE) em Santa Maria, pelo Decreto 56 de maio deste ano. Este texto normativo ou este espaço de formulação de política pública, foi fruto do trabalho de incidência do coletivo Migraidh, como possibilidade de reunir no âmbito público, por meio de um espaço interinstitucional e intersetorial, órgãos vinculados aos três entes federados, setores relacionadas à agenda migratória, sociedade civil e atores sociais, incluindo a população migrante e refugiada. Uma articulação capaz de aprofundar o entendimento sobre a realidade migratória e propor respostas associadas às demandas deste grupo social vulnerável por meio de políticas públicas, como atenção à população vulnerabilizada. A existência de um espaço institucional desta magnitude já parte do pressuposto legal previsto na Política de Estado instituída na Lei 13.445/2017.
Apesar desta referência normativa do município de Santa Maria, das sete candidaturas à prefeitura, apenas uma delas contemplou no seu programa de governo o fortalecimento das políticas intersetoriais para as pessoas migrantes, conforme os documentos registrados no sistema integrado do Tribunal Superior Eleitoral. Isso se deve à dificuldade de inserir no debate público um grupo social alijado estruturalmente das escolhas públicas e invisibilizado na sua condição de sujeito de direitos.
Para saber o quanto um Estado valoriza os nacionais mais vulneráveis e excluídos, basta ver como ele trata um migrante. Avançamos muito na nossa Política de Estado de proteção de migrantes e refugiados no Brasil. Essa analogia pode e deve ser feita em relação a uma política de governo que, ao considerar minorias pelo espectro da realidade social e vulnerabilização a que estão sujeitas, progride em ações dirigidas ao desenvolvimento do potencial de uma sociedade como um todo.
Sobre o(a) autor(a)
Por Giuliana RedinProfessora do departamento de Direito da UFSM, coordenadora do Migraidh e da Cátedra Sérgio Vieira de Mello
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