Sou 100% SISU Publicada em 22/03/2023 4994 Visualizações
Estudei do Jardim de Infância ao então segundo grau em escola pública. Como era de classe média e não havia recursos para educação superior privada, na minha família era “obrigação” passar na UFRGS. Fiz Magistério no segundo grau, pois queria ser professora. Mais que isso: queria lecionar Dança. Mas na época existiam apenas três instituições com esse curso superior: em Curitiba, Campinas e em Salvador. Apesar de trabalhar como professora primária, não tinha condições financeiras de prestar três vestibulares, em três lugares diferentes - o que significava não apenas ter dinheiro para a inscrição, mas também para a passagem e hospedagem nestas cidades. Solução: estudar em Porto Alegre. Assim, ao invés de fazer Dança, fiz Jornalismo.
Assim como eu, no século passado, quantas pessoas não cursaram uma graduação querendo outra porque não havia seu curso em sua cidade e não havia como se sustentar fora de onde morava?
No início deste século, atuando como jornalista em Brasília e tendo recursos para tantos vestibulares, fui atrás do meu sonho: cursar Dança. Desembarquei, então, em São Paulo, onde fiz minha segunda graduação e, depois, fui para Salvador fazer Mestrado e Doutorado na UFBA. Lá, passei a atuar na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), lugar em que vi muitas de minhas alunas terem o primeiro diploma de graduação de suas famílias. O que mudou desde as minhas duas graduações? A instituição de políticas públicas de democratização do acesso à universidade pública: como o ENEM, o SISU, as cotas.
Alguns anos depois da instituição de políticas públicas para o acesso, vieram as de permanência, como a criação do PIBID, PIBIC, bolsas de assistência estudantil, entre outras ações. O resultado foi que, o número de estudantes negros no ensino superior aumentou quase 400% entre 2010 e 2019 - chegando a 38,15% das matrículas (mas abaixo da representatividade no conjunto da população). Além disso, aumentou também a presença de estudantes pobres: quatro vezes mais jovens, entre os 20% mais pobres da população brasileira, estavam em universidades públicas em 2013. Em 1995, esta parcela representava 1% do total; em 2015 chegou a 6%.
Mas o processo de democratização da Universidade pública foi interrompido com a PEC do Teto dos Gastos, no governo Temer, e com os cortes orçamentários e ataques às Universidades públicas, no governo Bolsonaro. Resultado: aumento da evasão, intensificado com a pandemia. Ou seja: o problema não era o acesso, mas a permanência.
Quando a UFSM agora debate a volta do vestibular, penso na importância do SiSU, das políticas de acesso e permanência. Penso que o problema não é debater, agora, o acesso, mas a permanência, que tem uma conjunção de fatores: auxílios financeiros, horários adequados, currículos que valorizem a diversidade de pessoas e pluralidade de pensamentos. A estudantada mudou, mas a Universidade, em muitos aspectos, ainda é a do século passado, quando estudei em uma instituição pública.
Porque vivi o que vivi, ao longo da minha formação universitária e atuação docente, é que defendo o Sisu. Mais que isso: enxergo que é um erro político fazer este debate agora, quando temos um governo democrático, que valoriza a educação, que vai recompor o orçamento das Universidades. A volta do vestibular é não só um retrocesso do ponto de vista de acesso democrático, quanto um alinhamento ideológico ao governo anterior, que queria a destruição do ENEM, do SISU e da Universidade pública. Por isso, conclamo a todos os conselheiros e conselheiras do CEPE da UFSM que coloquem no centro do debate que Universidade querem: uma para poucos ou uma Universidade para todos e todas? Eu sigo defendendo o ensino público, de qualidade, para todos e todas, especialmente para a classe trabalhadora.
Sobre o(a) autor(a)
Por Neila BaldiProfessora do curso de Dança-Licenciatura da UFSM, diretora da Sedufsm