Precisamos aprender sobre o envelhecer Publicada em 04/09/2023 5364 Visualizações
Cada vez mais tenho certeza de que não somos preparados/as para a velhice: nossa e de entes que amamos. E, quando há uma demência, tudo fica mais difícil. Precisaríamos que, em determinada fase da vida, aprendêssemos sobre como identificar possíveis doenças típicas do envelhecer. Hoje, quando olho para trás, tenho certeza de que o conhecimento que tenho hoje, sobre o Alzheimer, me pouparia muito sofrimento, angústia e aflição.
Não sei quando a doença da minha mãe começou, lembro apenas, quando voltei a morar no Rio Grande do Sul, de achar algumas coisas estranhas. Ela não cozinhava mais há algum tempo, comprava comida pronta e, quando saímos para almoçar, tinha dificuldade em reconhecer os alimentos. Notei uma catarata e imaginei que fosse só isso. Hoje recordo que, quando, anos antes, passou a cozinhar tudo junto (uma gororoba, como eu dizia) e, depois, parou de cozinhar, muito provavelmente já tinha a demência. A geriatra diz que o/a paciente vai criando estratégias, no início da doença, para lidar com suas dificuldades. Ou seja, se eu deixo a comida queimar, paro de cozinhar, por exemplo.
Em seguida começaram os relatos de furtos, acusando pessoas próximas. Em quem acreditar? Nesta mesma época, se perdeu na rua. Ela tinha consciência de que havia se perdido – isso gera crise de ansiedade em muitos/as doentes. Levamos ao médico, que disse ser perda de memória natural e deu vitaminas. Como havia feito cirurgia de catarata de um dos olhos e aguardava o outro, comprei aquelas caixas plásticas de segunda a domingo para medicação. Apesar disso, não tomava os remédios. Ou seja, não era pela visão. Podia ser por não querer – o que acreditamos na época – ou não lembrar.
O início dos sintomas é a fase mais difícil, pois os/as familiares não conseguem identificar. Ficamos tateando no escuro. Por isso que, hoje, acredito ser importante que todos/as conheçam sobre o envelhecer e suas doenças – geriatras dizem que consultas com eles/as devem começar depois dos 40 anos, para bem envelhecermos.
No ano seguinte ela se perdeu algumas vezes e, numa das vezes, perdeu todo seu dinheiro. Reconheceu que algo estava errado e falou em se matar. Podia ser depressão. Levei a um psiquiatra e à geriatra. Era Alzheimer.
Com o avançar da doença, fui aprendendo que o/a doente cria estratégias e nós também devemos criar e que nunca é bom bater de frente com ele/a. As perguntas repetitivas, que no início incomodavam, depois não eram tão constantes. Mas vieram outros desafios: uma espécie de Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) com limpeza e coisas “desarrumadas”, a incapacidade de se lavar sozinha, por exemplo, de fazer o seu café, ou seja, a perda da autonomia. E tem uma fase da doença que o/a paciente percebe que está perdendo a autonomia e isso gera angústia. No início também não sabia detectar quando entrava em crise de ansiedade – hoje já consigo até me antecipar.
Hoje minha mãe está em uma fase que é como uma criança, do ponto de vista cognitivo e motor. Assim, aprendi a entrar no seu mundo da fantasia e tocar com leveza. Por causa de uma infecção, o declínio cognitivo aumentou. Sei que em breve teremos outras dificuldades e tenho buscado informação para que não precise aprender na marra, como antes. Tenho certeza de que se soubesse do que sei hoje, tudo teria sido mais fácil. E tu, já parou para pensar sobre o envelhecimento do teu pai ou mãe? E o teu? É, precisamos aprender sobre o envelhecer.
Sobre o(a) autor(a)
Por Neila BaldiProfessora do curso de Dança-Licenciatura da UFSM, diretora da Sedufsm