Educação superior pública e de qualidade para quem? Publicada em 15/12/2021 4930 Visualizações
As primeiras escolas de ensino superior no Brasil surgiram com a chegada da família real portuguesa, em 1808: as escolas de Cirurgia e Anatomia em Salvador e no Rio de Janeiro (atualmente, respectivamente, Faculdade de Medicina da UFBA e Faculdade de Medicina da UFRJ) e a Academia da Guarda Marinha, também no Rio. A primeira Universidade surge em 1920, também no estado fluminense.
Desde o Império a responsabilidade pela educação superior estava a cargo do poder central – enquanto as províncias (e depois estados e municípios) cuidavam da educação básica. Isso diz muito de como as elites pensavam – e ainda pensam - a formação de seus herdeiros e herdeiras. Eram os ricos que acessavam estes níveis de educação.
No final dos anos 1960 houve a expansão do ensino superior privado, fazendo com que, ao final do século passado, a quantidade maior de estudantes fosse entre as pagas e mais de 60% fossem de famílias com renda superior a 10 salários mínimos, tanto nas privadas quanto nas públicas. O ensino superior era coisa de elites.
A mudança só começou quando um ex-operário assumiu a presidência do país e implantou em seus dois governos e, posteriormente, com sua sucessora, políticas como o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), o Novo Enem, o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), o Programa Universidade para Todos (PROUNI) e a Lei 12.711 que prevê a reserva de 50% das vagas das universidades e institutos federais de Ensino Superior a estudantes de escolas públicas, com cotas para estudantes de baixa renda, pretos, pardos, indígenas e com deficiência.
Mas as elites não se conformam com estas mudanças no perfil de estudantes da educação superior, principalmente a pública. E vira e mexe vem propostas como o pagamento de mensalidades, etc. Dados da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), divulgados em 2019, indicavam que 70% dos alunos e alunas são de baixa renda, sendo que 60% fizeram o ensino médio público. Por que o Estado deveria deixar de financiar o ensino superior agora, quando a população mais pobre e negra do país tem acesso a ele? É o que desejam as elites: exclusividade e manutenção de privilégios.
Na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) não é diferente. O Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão aprovou a Resolução que permite a cobrança de cursos de pós-graduação lato sensu e a matéria será analisada nesta sexta-feira pelo Conselho Universitário. A alegação é que estes cursos financiaram a Universidade... Ora, se a Universidade é pública, é dever do Estado financiá-la e nosso dever, como cidadãos e cidadãs, lutar para que o orçamento seja compatível com sua missão e seus custos.
Além disso, ao mesmo tempo em que o acesso à educação superior foi ampliado, com mais pessoas pobres e negras, dando uma cara de diversidade que uma Universidade deve ter, a continuidade dos estudos não é garantida. Segundo pesquisa da Capes negros e negras respondem por 25% dos alunos e alunas de Mestrado e Doutorado no país. A pós-graduação lato sensu é, muitas vezes, a continuidade destes estudos, antes da stricto sensu. O pagamento significa o não acesso destas pessoas.
Quando uma instituição pública oferece um curso pago ela diz que só quem tem dinheiro pode fazê-lo. Aprovar a cobrança é colocar a Universidade à disposição das elites e em uma lógica privatista e de mercado. Ora, segundo os defensores da ideia, os cursos pagos seriam “eventuais” para atender demandas específicas. É lógico que a Universidade tem que se relacionar com o seu entorno, mas o que pode ocorrer é o mercado ditar que tipo de curso será proposto, ou seja, uma interferência pedagógica. Além disso, a cobrança da pós-graduação lato sensu para “cursos eventuais” pode significar a possibilidade de, posteriormente, outros cursos também virem a ser pagos.
Neste sentido, ao invés de abrirmos a Universidade Pública para os recursos privados, deveríamos lutar pelo aumento de seus orçamentos e votar naqueles e naquelas que, de fato, a defendem. Naqueles e naquelas que compreendem que o Estado deva ser agente difusor do ensino superior, garantindo esse direito a mais brasileiros e brasileiras e, com isso, combatendo as desigualdades sociais. Ainda mais no momento pandêmico no qual nos encontramos, em que estas desigualdades se acentuaram.
Sobre o(a) autor(a)
Por Neila BaldiProfessora do curso de Dança-Licenciatura da UFSM, diretora da Sedufsm