Agora somos todos mascarados SVG: calendario Publicada em 28/07/2020 SVG: views 2393 Visualizações

Em janeiro, eu estava hospedado num hotel de Copacabana, olhava distraído o noticiário de TV e não levava à sério as notícias sobre a epidemia na China. Não que desacreditasse na letalidade do novo vírus, nada disso. Considerava, isso sim, muito remota a possibilidade da doença ganhar o mundo, adquirir o estatuto de epidemia e muito menos o de pandemia.

Janeiro, verão, Copacabana, minha companheira e eu não estávamos preocupados com o mundo, mas com os passeios agendados no CCBB, Museu do Catete, Museu Nacional de Belas Artes, Mosteiro de São Bento, lugares já conhecidos, mas que seriam visitados com guias especializados em turismo cultural. Um desses guias, por sinal, meu ex-aluno no Curso de História da UFSM.

Um mês depois, em março, já em Santa Maria, o noticiário de TV me delineou um outro entendimento das coisas. A nova doença atravessou, sim, as fronteiras da China, ganhou o mundo, recebeu o estatuto de pandemia e me obrigou a alterar os planos. No caso, cancelar uma viagem a Porto Alegre para assistir a um espetáculo no Theatro São Pedro (a atriz Cássia Kis recitando Manoel de Barros). O espetáculo foi cancelado na véspera (12 de março) e tratei de ir na rodoviária tratar da devolução do valor das passagens. Gentilmente um funcionário me entregou o dinheiro das passagens e imaginei que tudo isso (a interrupção da vida normal) fosse durar apenas algumas semanas.

A vida mudava e eu não me dava conta do tamanho da confusão. Desconfiei das avaliações de mais de 100 mil mortos no Brasil e encarei o início do isolamento social com um otimismo descabelado. Aceitei as novas regras, me fechei no apartamento, mas sempre considerando que a situação era por pouco tempo. Tudo vai se resolver logo, cheguei a dizer.

No dia em que a Prefeitura Municipal determinou o uso de máscara para entrar no supermercado, bati com o aviso na porta do mercado e logo me dirigi a farmácia. Uma funcionária (de máscara) me orientou quanto ao modo de colocá-la no rosto e um outro me disse, rindo:

– Bem vindo a gangue. Agora somos todos mascarados.

Eu ri também e pensei que estava vivendo uma história de ficção científica. Um replay do filme Contágio, que assistira naquela semana. Um filme de 2011 a respeito de uma epidemia causada por vírus, que inicia em Hong Kong, se alastra pelos Estados Unidos (onde a trama é ambientada) e pelo mundo inteiro. Mas que tem final feliz: a vacina é logo descoberta, produzida e tem distribuição eficaz.

Saí pela rua mascarado (como continuo desde então ao andar pela cidade) sem desconfiar que o “filme” que eu estava / estou protagonizando avançaria até metade do ano (ou mais da metade do ano, o filme ainda não terminou). As previsões que considerava pessimistas se confirmaram e os dias passados em Copacabana agora pareceram um sonho. Sim, aqueles dias de verão no Rio de Janeiro, despreocupado, visitando uma exposição de peças do antigo Egito (do acervo do Museu Egípcio de Turim), no CCBB, andando pelas salas do Museu do Catete e ouvindo um ex-aluno descrever e analisar a decoração de inspiração greco-romana do antigo palacete do século XIX, tudo isso se transformou em marcas de um passado remoto, um estilo de vida que não sei quando voltarei a usufruir.