Teto de gastos e reforma tributária SVG: calendario Publicada em 09/08/2023 SVG: views 2627 Visualizações

Antes mesmo da posse de Lula, já começaram os boatos de que o novo governo iria tentar acabar com o “teto de gastos” – regra constitucional que determina que os gastos primários do governo não podem crescer mais do que a inflação.  Ora, esse limite já foi ultrapassado várias vezes, em especial no período da pandemia, com a aprovação do “orçamento de guerra”, manobra parlamentar para burlar o teto de gastos. Para não ferir a regra constitucional novamente em 2023, o Congresso aprovou, em dezembro do ano passado, a chamada “Emenda de Transição”, que excluiu R$ 168 bilhões do teto de gastos para o governo poder cumprir com suas obrigações. Mesmo assim, no final de julho de 2023, o novo governo anunciou o contingenciamento (retenção de recursos) dos ministérios da Saúde e Educação para não “estourar” o teto de gastos até que a reforma tributária seja aprovada no Senado.

Paralelamente, também se encontra no Legislativo um projeto de lei complementar em substituição ao teto de gastos. Combina regras para o resultado primário do governo (diferença entre receita e despesa, descontados os juros da dívida pública interna) e de controle dos gastos públicos. As despesas do governo poderão crescer entre 0,6% e 2,5% acima da receita do ano anterior em valores reais. Nesse intervalo, os gastos poderão crescer até 70% da variação da receita do ano anterior. Essa é a parte principal da proposta que vem sendo divulgada pela imprensa. Muita coisa pode mudar ainda, pois o governo não tem votos suficientes para aprovar esses projetos. E, nesse sentido, a fama de Lula de grande negociador político vem sendo testada todo dia: “vai um ministério para lá, vêm alguns votos para cá”!

Há décadas, mais precisamente, desde antes da Constituição de 1988, que se fala da necessidade urgente de fazer uma “reforma tributária”. Quanto mais não seja, pelo descalabro burocrático – que faz da legislação tributária brasileira uma das mais extensas e confusas do mundo (e injusta, diga-se de passagem). Porém, entra governo sai governo, e o projeto não anda. Desta vez, ainda que seja “vencida pelo cansaço”, a reforma se tornou pauta prioritária de votação no Congresso antes do recesso parlamentar.

O âmago da reforma tributária está na mudança da forma de cobrança dos impostos: ao invés da “origem”, os impostos passarão a ser cobrados seguindo o princípio do “destino”. Assim, os tributos serão calculados tendo por base a região em que se encontra o consumidor do bem ou serviço e não mais pelo local em que o produto ou serviço é produzido. Em resumo, ao invés de tributar a “oferta”, como é atualmente, o governo passa a cobrar os impostos sobre o “consumo”. Obviamente, estados grandes produtores, como São Paulo, poderão ter grande perda de arrecadação e deverão ter um mecanismo de compensação.  De todo modo, a reforma terá o mérito de estimular a descentralização industrial.

Outro objetivo da reforma tributária é a simplificação da arrecadação e a modernização do Fisco. Nesse sentido, haverá uma unificação dos impostos nos três níveis de governo. No caso federal, a legislação do PIS/Cofins tem mais de 2 mil páginas de regras e regimes especiais (só o índice tem 60 páginas!) que mostram que o atual regime fiscal está à beira do colapso. Pela proposta, esses dois impostos, e mais o IPI, seriam substituídos pelo Imposto do Valor Agregado (IVA) de tributação do consumo – regime já adotado, com êxito, por 174 países. A intenção é reduzir a burocracia para as empresas e facilitar o ingresso de investimentos estrangeiros. 

O ICMS estadual e o ISS municipal serão extintos e substituídos por um único imposto sobre bens e serviços – o IBS. A dúvida é sobre como será recolhido esse imposto e como se dará a transferência para estados e municípios? Isso seria feito pelo Conselho Federativo do IBS. Esse Conselho, tem gerado muita discussão por prefeitos e governadores porque, na proposta do relator, ele teria muito poder.  além de arrecadar o novo imposto, efetuar compensações e distribuir os resultados aos estados e municípios, teria poderes para legislar normas e resolver conflitos entre os membros. A própria formação do Conselho não é consenso. São Paulo, o estado mais atingido pela mudança da cobrança da “origem” pelo “destino”, propõe que seja levado em conta o tamanho da população, fator que o beneficiaria.

Outro ponto de avanço na reforma tributária é o fim da cumulatividade dos impostos, o chamado “imposto em cascata”, o que fará com que a tributação seja a mesma, independentemente do tamanho da cadeia produtiva. Segundo o governo, a reforma prevê a criação de uma alíquota única, sem aumento da carga tributária atual, sobre o consumo (hoje fica próxima a 25%). Uma outra alíquota, 60% menor, que incidirá sobre alguns bens e serviços especiais (remédios e transporte público, por exemplo) é outra novidade. Por último, será criada uma alíquota zero para uma lista de produtos da cesta básica. Os produtos que ficarem de fora dessa lista terão alíquota reduzida em 60%, caso o projeto, aprovado em dois turnos na Câmara, não sofra alterações no Senado.

O Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas (Ipea), órgão ligado ao governo, prevê que uma alíquota única já reduz a carga tributária dos mais pobres. Com o sistema de cashback (devolução do imposto) é possível reduzir o peso dos impostos em 50% para os mais pobres. Ainda segundo o Ipea, apenas os 10% mais ricos vão pagar mais impostos; os outros 90% da população terão uma carga tributária menor. Parece mágica, não é mesmo? E o que mais surpreende é porque uma proposta quase consensual levou tanto tempo para ser votada pelo Congresso? Na realidade, a reforma tributária ainda levará mais uma década para ser totalmente implementada e deve sofrer vários ajustes, até porque é preciso conciliar situações diferenciadas em cada estado da federação.  Mas, um otimista diria que “antes tarde do que nunca”!