Dilma Rousseff, a primeira mulher eleita presidente do Brasil Publicada em 10/12/2024 77 Visualizações
Dilma é filha de um engenheiro búlgaro, que chegou ao Brasil no final dos anos 1930, e prosperou empreitando obras para uma siderúrgica mineira e negociando imóveis. Dilma, portanto, veio de uma família de classe média alta e foi atraída para a política através do movimento secundarista de Belo Horizonte. Numa viagem a Porto Alegre, conheceu o advogado Carlos Araújo, que se tornou seu companheiro na vida e na luta armada, embora, neste último caso, a participação de Dilma tenha sido apenas no setor operacional. A ela cabia, por saber inglês, por exemplo, a tarefa de troca de dólares. Atuava também na distribuição de armas, munição, documentos e dinheiro.
Presa no início do ano 1970, ano do chamado “Milagre Econômico”, Dilma foi torturada durante três anos nos porões da ditadura militar. Após a sua libertação, Dilma mudou-se para Porto Alegre e ingressou no curso de Economia, da Faculdade de Ciências Econômicas, da Universidade Federal (UFRGS). Foi estagiária e depois dirigiu a Fundação de Economia e Estatística (FEE). Ingressou no PDT, de Brizola, e foi Secretária da Fazenda do município. Já filiada ao PT, foi ministra de Minas e Energia e ministra-chefe da Casa Civil, no primeiro mandato de Lula. Em 2010, derrotou o candidato José Serra (PSDB) e tornou-se a primeira mulher a assumir a Presidência da República.
Passados cerca de oito anos do impeachment e cassação do mandato de Dilma Rousseff, ainda persiste, para quem quer ter a consciência limpa, uma incômoda sensação de injustiça. Esse sentimento foi fortalecido após a frustrada tentativa golpista do 8/1/2023, que demonstrou que a extrema direita inviabilizou o governo democraticamente eleito de Dilma, sendo essa uma etapa preparatória em caso de derrota pelo voto. Sintomático que os mesmos ministros que abandonaram Dilma à própria sorte tenham aceitado compor o governo do vice (Michel Temer), principal interessado no cargo de Dilma.
Dilma foi acusada de “Crime de Responsabilidade”, por editar decretos de crédito suplementar em 2015 sem autorização do Congresso. Na época, o governo justificou que os decretos foram editados com base em fontes legais de recursos e que não geraram o pagamento de novas despesas. Tampouco pesou o fato de que os governos anteriores tenham também procedido da mesma forma. Nada poderia alterar o curso do golpe: o destino de Dilma estava selado pelos conspiradores. Para isso, obtiveram a valiosa cooperação do ex-deputado federal gaúcho, Augusto Nardes, que iniciou sua carreira política pela antiga Arena, partido da ditadura militar, que presidia o Tribunal de Contas da União (TCU). Nardes logo encontraria uma falha técnica (“pedaladas”) para dar um lustro de legalidade ao processo viciado na origem.
Justificando o seu voto a favor da cassação de Dilma, mas não da perda de direitos políticos, o presidente do Senado (Renan Calheiros) justificou-se com um ditado nordestino: “além do tombo, coice”. A cassação de Dilma teve 61 votos a favor e 20 contra, mas ela manteve seus direitos políticos por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Visivelmente constrangido no dia da votação, Calheiros admitiu que, caso o Senado estivesse cometendo um erro, a própria Constituição se autocorrigirá. Isso mostra a falta de convicção dos algozes de Dilma Rousseff.
Depois disso, muita “água rolou debaixo da ponte”. Lula foi impedido de concorrer nas eleições presidenciais, perdida por Fernando Haddad. A extrema direita elegeu Bolsonaro e fez ampla maioria no Congresso. A operação Lava-Jato, mantida por um grupo de jovens procuradores ambiciosos e por um juiz parcial (Sérgio Moro), ganhava largo espaço na mídia e sua meta, mal disfarçada, era prender Lula. Para conseguir esse objetivo, baseou-se exclusivamente na palavra de delatores. Lula ficou preso por 1 ano e 7 meses. Com a mudança de interpretação do STF sobre sentença em julgado, Lula deixou a cadeia e assistiu à operação Lava-Jato, responsável pela sua condenação, ficar desacreditada.
Quanto à Dilma, exposta a todo tipo de constrangimentos, teve sua vida virada de cabeça para baixo pela Polícia Federal e nada foi encontrado além de suposições. Foi alvo de escuta telefônica ilegal pelo juiz Sérgio Moro e foi, inclusive, impedida de nomear Lula, o que evitaria a sua prisão naquele momento, porém, a sua decisão foi invalidada por ato monocrático do ministro Gilmar Mendes do STF. Curiosidade: o mesmo ministro votou pela não condenação até o trânsito em julgado da sentença, o que, na prática, libertou Lula da prisão e lhe devolveu os direitos políticos que lhe permitiu disputar à presidência em 2022.
Depois dos atos antidemocráticos de 2023, fica claro que todo o processo de afastamento (impeachment) e cassação do mandato de Dilma foi uma farsa. A polarização política, ou antipetismo se preferirem, não aceitaria o resultado das urnas de jeito nenhum, mesmo que isso implicasse em destruição da própria democracia. Não é à toa que faixas e cartazes com frases pedindo intervenção militar ou o fim do STF ganharam as ruas. Mas não é mais por golpes militares que as democracias morrem. As democracias morrem porque a polarização impede o reconhecimento do outro como participante legítimo do processo democrático, o que encoraja a violência. Nesse sentido, só restam as instituições como “grades de proteção” da democracia. Felizmente, elas funcionaram para impedir o golpe de 2023.
A libertação de Lula e a sua vitória nas eleições presidenciais foi um duro golpe para a extrema-direita. Toda a construção do seu projeto de poder desmoronou. Bolsonaro não só perdeu as eleições como teve os seus direitos políticos cassados pelo TSE por oito anos. Neste momento, seus aliados projetam uma anistia aos golpistas, o que colocaria Bolsonaro, por tabela, de volta ao jogo. Nada garante, porém, que não surja alguém para ocupar o seu lugar – um Pablo Marçal, por exemplo.
E no outro polo, na esquerda, o time é Lula e mais quem? Talvez, Haddad. Vai depender da economia. Não existem muitos nomes viáveis eleitoralmente. E Dilma? Ela sumiu depois da cassação do mandato. Sua candidatura para o Senado, por Minas Gerais, “afundou”. Tive a impressão de que os candidatos petistas não a queriam no palanque, tal o desgaste provocado pela grande mídia em sua reputação. Após a eleição, Dilma não foi convidada para nenhum cargo importante. Uma escolha natural seria o Ministério do Planejamento, já que ela é economista. Porém, Lula já havia se comprometido com Simone Tebet. Sobrou mesmo o Banco dos BRICS, em Xangai.
Criado em 2015, o NDB (sigla do banco em inglês) tem um mandato de 5 anos rotativo. No próximo ano, a presidência do banco passa automaticamente para Rússia. Dilma está cumprindo o resto do mandato iniciado no governo anterior. Neste mês de outubro foi realizada a reunião dos chefes de Estado e de governo do bloco, na cidade de Kazan, na Rússia. Uma foto de Dilma, sendo tratada como chefe de Estado por Putin, e outra sentada à mesa ao lado de Putin e Xi Jinping, presidente da China, chamaram a atenção. Soou como uma pequena reparação pelas injustiças que sofreu no Brasil.
Agraciada com uma medalha pelo governo chinês há pouco tempo, Dilma ainda recebeu o convite para permanecer à frente do banco, ao final do seu mandato, em 2025. O convite foi feito por ninguém menos que Vladimir Putin, que defendeu a sua permanência na reunião fechada dos líderes do bloco. Pode ser o início de uma recuperação da imagem da ex-presidente, injustamente afastada do cargo que lhe foi concedido pelo povo brasileiro. Mais do que tudo, a jovem Dilma arriscou a vida na luta pelo retorno da democracia no país. Seja por ingenuidade, idealismo ou por outro motivo, o fato é que Dilma já ocupa um lugar importante na história do país. E isso ninguém pode lhe tirar.
Sobre o(a) autor(a)
Por José Maria PereiraDoutor em Economia, professor aposentado do departamento de Economia e Relações Internacionais da UFSM e também da UFN