Conceição Tavares, a professora de uma geração de economistas SVG: calendario Publicada em 18/06/2024 SVG: views 360 Visualizações

Morreu, no sábado, 8 de junho de 2024, aos 94 anos, a economista Maria da Conceição Tavares. Possivelmente, quem não viveu o período de hiperinflação brasileira e os Planos de combate à alta de preços - especialmente o Plano Cruzado (1986) - não irá se lembrar dela. Emotiva, Conceição chorou ao participar do lançamento do Cruzado, no governo de José Sarney. Como é sabido, o Plano fracassou, mas Conceição ficou popular. Virou personagem no humorístico “A Escolinha do Prof. Raimundo”, de Chico Anysio. A fama, no entanto, viria de uma característica pessoal de Conceição: a falta de paciência.  Vídeos de suas aulas “viralizaram” no YouTube. Não tinha paciência para perguntas redundantes ou óbvias.

Tampouco Conceição se preocupava com o que era “politicamente correto”. Fumava ostensivamente em qualquer ambiente e, não raro, usava palavrões. Típico de quem frequenta um ambiente masculino. Às vezes chegava a ser agressiva na defesa de suas posições, seja na economia, seja na política. Mas, Conceição não deve ser julgada pelo seu temperamento e sim por sua contribuição à ciência econômica.

Nascida em Portugal no distante ano de 1930, Conceição se formou em Matemática pela Universidade de Lisboa antes de vir para o Brasil, em 1954.  Formou-se em economia em 1960, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), até então o curso de economia era um terreno pouco explorado por mulheres (hoje, arrisco a dizer, é o contrário). Em seguida, foi trabalhar na Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), no Chile.

De volta ao Brasil, a partir de 1968, começa a publicar artigos sobre o desenvolvimento econômico baseados em estudos da Cepal, influenciada sobretudo pelas teorias do economista argentino Raul Prebisch. Apesar de manter a vida toda uma boa amizade com Celso Furtado (que também fez parte da Cepal), Conceição discordava dele no que se refere à tendência dos países latino-americanos – e particularmente o Brasil - à estagnação econômica. Num artigo escrito à duas mãos com José Serra, conclui que o “modelo brasileiro de crescimento” levaria, não à estagnação e sim à concentração da renda. Sobre esse ponto, um ex-aluno, colega professor na UFSC, chamou-me a atenção de que, pelos dados históricos, parece que Furtado tinha razão, ou seja, prevalece a tese da estagnação.

A esse modelo, Conceição Tavares chamou de “Substituição de importações” e seria comum a todos os países de “industrialização retardatária”, onde o avanço tecnológico conduziria a diversas fases de substituição, sendo primeiro substituídos os bens de baixa tecnologia e depois os de tecnologia mais avançada. O modelo de capitalismo brasileiro alterna ciclos de expansão e de recessão devido ao superdimensionamento do capital, que gera excesso de capital em alguns setores industriais e falta em outros.

A comparação entre Furtado e Conceição Tavares não acaba aqui. Teoricamente, a obra máxima de Celso Furtado, Formação Econômica do Brasil, é uma leitura keynesiana da história brasileira. Segundo Francisco de Oliveira, nenhuma obra teve a importância ideológica desse livro em nossa história social. Apesar de não ser um livro de história, como o próprio Furtado advertiu na introdução da obra: “é simplesmente a análise de processos econômicos e não a reconstituição de eventos históricos que estão por trás desses processos”.

Conceição, por outro lado, faz uma leitura kaleckiana da industrialização brasileira (principalmente na sua Tese de Livre Docência). Ou seja, utiliza-se dos esquemas marxistas de reprodução, usados pelo economista polonês Michal Kalecki, cujo livro (Teoria da Dinâmica Econômica) precedeu em três anos o clássico (Teoria Geral) keynesiano, de 1936. A obra de Kalecki, cujo conteúdo, apesar do ponto de partida marxista, é muito semelhante à de Keynes, foi totalmente ignorada quando do seu lançamento, em 1933.

A indústria pesada só foi viável no Brasil graças à intervenção do Estado, sobretudo no pós-guerra. O tipo de articulação, neste caso, se aproxima do conceito de oligopólio diferenciado concentrado, liderado por indústrias como a automobilística e de material elétrico, por exemplo. A esse tipo de articulação formada pelo tripé Estado-capital estrangeiro-capital privado nacional, Conceição chama de “Industrialização dependente”. A inflação possui uma função contraditória: ao mesmo tempo que amplia a etapa expansiva, provoca uma etapa recessiva saneadora.

Na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em São Paulo, cercou-se de um grupo de economistas que, posteriormente, iriam exercer influência em diferentes níveis de poder, em Brasília. Em plena ditadura, ela liderava uma ala de economistas de visão heterodoxa, cujos principais nomes são João Manuel C. de Mello, Luciano Coutinho, Luiz G. Beluzzo, José Serra, dentre outros. Era a eles que Conceição se referia na reunião de lançamento do Plano Cruzado.

Conceição não era sectária. Isso lhe permitiu ser respeitada tanto por economistas de esquerda quanto de direita. Foi professora assistente de Octávio Gouveia de Bulhões na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que foi ministro da Fazenda do primeiro governo após o golpe militar (1964). Mantinha também boa relação com o ex-ministro da Fazenda do governo Ernesto Geisel, Mário Henrique Simonsen. Essa amizade se revelou muito útil quando foi presa, sem motivo, em 1974. Foi Simonsen que telefonou diretamente ao presidente e conseguiu uma “ordem de soltura” da economista.

Sempre achei um desperdício grandes economistas se envolverem com política partidária e costumo citar o exemplo de Conceição Tavares. Primeiro, como economista do MDB, partido supostamente de oposição à ARENA, partido do governo. Foi fiel a Ulysses Guimarães até perceber que ele não teria chance nas eleições. Depois, quando entrou para o PT e elegeu-se, em 1995, como deputada federal pelo estado do Rio de Janeiro. Não teve um mandato com grande destaque na Câmara Federal. Seguindo orientação do partido, também foi contra o Plano Real. Um erro, que pagaria caro, já que o Plano foi um sucesso e ancorou a própria reeleição de FHC.

A lembrança de uma característica pessoal de Conceição Tavares, qual seja, a sua notória falta de paciência para perguntas irrelevantes, não deve nos conduzir à falsa conclusão de que não era admirada pelos seus alunos. Ao contrário. Finalizo este artigo citando um trecho da página de agradecimento de uma tese orientada por ela:

 “A Maria da Conceição Tavares, mestra e amiga – a quem devo tudo quanto,     em minhas limitações, consegui realizar – o meu muito obrigado pela forma generosa com que desempenhou o árduo encargo de orientadora em todas as fases desta tese”.

Faço minhas essas palavras, pelo tanto que ela me orientou, sem nem mesmo saber, através de seus livros, artigos e entrevistas.

Referências

CONCEIÇÃO TAVARES, M. da. Acumulação de capital e industrialização no Brasil. Tese de Livre Docência UFRJ. Campinas: Unicamp, 1986.

CONCEIÇÃO TAVARES, M.  Da substituição de importações ao capitalismo financeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1974.

FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil.  Rio de Janeiro, Fundo de Cultura, 1986.

JOBIN, Antonio Jaime Gama. A macrodinâmica de Michel Kalecki. Rio de Janeiro: Graal, 1984

OLIVEIRA, Francisco de. In: Celso Furtado - Introdução. São Paulo: Ática, 1983.

KALECKI, Michal. Teoria da Dinâmica Econômica. São Paulo: Os pensadores, Abril, 1976 (1933)

KEYNES, John Maynard. Teoria Geral, do emprego, do juro e da moeda. São Paulo: Abril, 1983 (1936).

Sobre o(a) autor(a)

SVG: autor Por José Maria Pereira
Doutor em Economia, professor aposentado do departamento de Economia e Relações Internacionais da UFSM e também da UFN

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