Ter algo em Comum para viver o Plural: em busca de uma Educação Política dos sentidos do Comum SVG: calendario Publicada em 27/07/2022 SVG: views 2581 Visualizações

Richard Bernstein fala em seu mais recente livro, intitulado “Por que ler Hannah Arendt hoje?”, que o ponto de partida para investigar o político pela autora não foi a experiência do mundo grego e nem dos romanos, mas a sua própria experiência pessoal. Para comprovar essa tese, Bernstein lança mão de uma reflexão muito apropriada para entender a experiência do político que estamos vivendo hoje. Diz o autor: “Recordem que ela declarou que foi a perda de uma comunidade política (polity) – a perda de uma comunidade disposta a garantir e proteger os direitos dos indivíduos – que privou os seres humanos de sua humanidade.” (2021, p. 99).

Nesse texto pretendo refletir sobre as consequências da perda desse mundo-ambiente comum para as reivindicações mais caras que temos para a formação humana. E que isso, ao contrário de certas leituras que associam o comum à ideia da dominação do totalitarismo, com a perda da individualidade, da espontaneidade e da pluralidade humanas, é justamente a sua garantia e condição. E mais, que só uma perspectiva de mundo comum poderia alimentar os nossos sonhos e utopias em direção a um mundo melhor. O professor que trabalha na dimensão do comum, por exemplo, não pode fugir de dignificar a política, inspirado na busca do que Hannah Arendt chamava de “momentos privilegiados” como a pólis grega, a república romana e as revoluções francesa e americana. Talvez o que nos falte hoje para contrariar o espírito privatista da lógica custo-benefício do Neoliberalismo seja a recuperação desse chão comum a que pertencemos, justamente algo que passa pelas questões da defesa do meio ambiente, da escola como esfera pública de discussão e das possibilidades de um mundo mais humano. E é nesse caldo de cultura que se pode gerar algo novo, como bem acentua Arendt:

"O que torna o homem um ser político é sua faculdade de agir; esta lhe possibilita reunir-se aos seus pares, agir de comum acordo e buscar objetivos e empresas que jamais teria em mente; e que muito menos desejaria, se não lhe houvesse sido outorgada essa faculdade: a de dedicar-se a alguma coisa nova" (2004, p. 52).

Nesse sentido pode se questionar o que está unindo as pessoas hoje, são as pautas em defesa da natureza, da sociedade democrática, de um mundo mais inclusivo, ou estamos nos unindo porque temos um “inimigo comum”? Essa constatação nos leva a pensar que estamos solapando as bases da convivência democrática, porque o comum, principalmente nas redes sociais -, como um lugar que podemos discordar, tergiversar e até mudar de opinião -, está desaparecendo do horizonte. Em seu lugar, emerge a abstração exorcizada do comum - um espírito que alimenta o ódio, o encanto das armas, o conflito e a guerra contra os mais pobres, ou seja, aquilo que Hannah Arendt chamou de antítese da natalidade e próprio de uma concepção de mundo metafísica: o homem concebido como ser para a morte.

Por isso, pretendo nesse artigo colocar em questão a ótica da formação humana contextualizada sob o espelho do mundo comum. Creio que nessa circunferência – que não é uma terra plana e nem terra arrasada, poderíamos antecipar a compreensão, se não dos alicerces de um mundo novo, pelo menos a imagem de que a política ainda pode ser dignificada pelo destino comum.

(* Amarildo Trevisan é Doutor em Educação: Filosofia da Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Pós-Doutor em Humanidades pela Universidade Carlos III, de Madri-Espanha. Professor Titular de Filosofia da Educação pela Universidade Federal de Santa Maria - UFSM/RS/Brasil e pesquisador PQ-1C do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. E-mail: trevisanamarildo@gmail.com)

 

Referências:

ARENDT, Hannah. Da violência. Tradução: Maria Claudia Drummond. 2004. Disponível em: http://pavio.net/download/textos/ARENDT,%20Hannah.%20Da%20Viol%C3%AAncia.pdf Acesso: 15/07/2022.

ARENDT, Hannah. A condição humana. Trad. Roberto Raposo. Ver. Téc. Adriano Correia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2016.

BERNSTEIN, Richard. Por que ler Hannah Arendt hoje? Tradução e apresentação de Adriano Correia e Nádia Junqueira Ribeiro. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2021.

BERNSTEIN, Richard. Violencia. Pensar sin barandillas. Barcelona: Gedisa, 2015.

LEFORT, Claude. Pensando o político: ensaios sobre democracia, revolução e liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.

Sobre o(a) autor(a)

SVG: autor Por Amarildo Luiz Trevisan
Professor Titular de Filosofia da Educação. Membro do departamento de Fundamentos da Educação da UFSM

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