O Olhar do Narrador e a Formação Docente SVG: calendario Publicada em 02/07/2025 SVG: views 383 Visualizações

A escola é um palco de iniciações. É o espaço onde a infância e a juventude atravessam rituais de passagem, aprendendo não apenas as lições das disciplinas, mas também as tramas silenciosas da convivência, da autoridade e da resistência. Em O Ateneu (1888), de Raul Pompéia (1863-1895), Balão Cativo (1973), de Pedro Nava (1903-1984), e O Apanhador no Campo de Centeio (1951), de Jerome David Salinger (1919-2010), a escola se revela um microcosmo da sociedade, onde se desenrolam dramas e descobertas que vão muito além do conteúdo ensinado em sala de aula.

Sérgio, em O Ateneu, pisa pela primeira vez o solo de um internato, afastando-se da proteção materna para entrar num mundo de regras rígidas e disputas subterrâneas. O que espera de sua formação é o que muitos estudantes, ainda hoje, buscam na escola: um sentido, uma bússola para orientar-se entre a infância e a vida adulta. Mas a escola de Pompéia é um espelho da sociedade da época, e nele Sérgio descobre, cedo demais, as hipocrisias e as violências que perpassam tanto a instituição escolar quanto o mundo exterior.

Pedro Nava, em Balão Cativo, resgata suas memórias escolares com o frescor de quem entende que a infância e a adolescência não são apenas épocas da vida, mas estados de espírito que moldam o caráter. A escola, para ele, não é apenas um lugar de aprendizado formal, mas de amizades e disputas, de professores que exercem a docência não apenas na explicação do conteúdo, mas no olhar, no gesto e na forma de conduzir a sala de aula. Seu olhar nos lembra que a docência é também testemunho – uma presença viva que marca o aluno para além dos currículos e dos programas escolares.

Holden Caulfield, o protagonista de O Apanhador no Campo de Centeio, é o mais intempestivo desses narradores. Sua revolta contra a artificialidade do mundo adulto e sua desconfiança em relação às instituições o colocam como um observador feroz da escola e de seus professores. Mas, mesmo em sua postura de contestação, ele reconhece, em momentos dispersos, a importância de alguns mestres, aqueles que, com sinceridade e sem máscaras, conseguem tocar sua sensibilidade e ampliar sua visão de mundo.

O que esses narradores nos ensinam sobre a docência? Primeiramente, que o professor não é apenas um transmissor de conteúdos, mas um mediador de experiências. Ele está entre o estudante e o conhecimento, entre a infância e a maturidade, entre a escola e a sociedade. Sua presença pode ser libertadora ou sufocante, dependendo de como ele exerce sua autoridade: se pela imposição e pela disciplina cega ou pelo diálogo e pela escuta ativa. Afinal, a escola pode ser um ambiente de violência simbólica, de exclusão e de conformismo, mas também pode ser o espaço onde se aprende a arte do encontro, da escuta e do reconhecimento do outro.

Paulo Freire nos lembra que a formação do estudante não se dá apenas pelo acúmulo de informações, mas pelo letramento e pela alfabetização conceitual. Ler o mundo é tão essencial quanto ler a palavra, e a docência, nesse sentido, deve ser um convite constante à interpretação da realidade. Se a escola não oferece essa possibilidade, corre o risco de formar apenas reprodutores de discursos prontos, e não sujeitos capazes de transformar o que está posto.

Os livros de Pompéia, Nava e Salinger nos mostram que a escola é, muitas vezes, um espaço de confronto e adaptação, de rebeldia e aprendizado. Mas também nos lembram que os professores podem ser parceiros nesse percurso, caminhando ao lado de seus alunos, e não acima deles. A docência, afinal, é o ofício daqueles que compartilham trajetórias, trocam experiências e constroem, junto com seus alunos, os significados da aprendizagem.

Sobre o(a) autor(a)

SVG: autor Por Amarildo Luiz Trevisan
Professor Titular aposentado do Centro de Educação da UFSM. Atualmente no Programa de Pós-Graduação em Educação

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