Perspectivas da economia no próximo governo SVG: calendario Publicada em 07/12/2022 SVG: views 2666 Visualizações

A pergunta que todos os cidadãos estão se fazendo neste momento – fora, naturalmente, os acampados nos quartéis, que desejam a volta da ditadura – é:  como será a gestão da economia na terceira gestão de Lula? Será igual à primeira (2004-2006)? Ou seja, muito próxima à do governo anterior, de Fernando Henrique Cardoso (FHC), que criou o Plano Real, cuja âncora se baseava no tripé: a) câmbio flutuante, com mobilidade de capitais relativa; b) regime de metas de inflação, com maior autonomia do Banco Central e c) metas para obtenção de superávits primários (receita fiscal maior do que a despesa, exceto juros) para diminuição da dívida e manutenção da confiança do mercado – condição necessária para estabilidade política e garantir a governabilidade. Lula fez isso “como manda o figurino do neoliberalismo”. Fez até uma “Carta ao Povo Brasileiro”, na qual se comprometia a honrar todos os compromissos do governo anterior. Aliás, era uma carta como essa que empresários e banqueiros tentaram “arrancar” de Lula recentemente, sem sucesso.

O pragmatismo de Lula trouxe os resultados que o mercado esperava. A política econômica de corte nos gastos públicos e juros altos, gerou um ponto de inflexão na curva inflacionária, a partir de 2003, e manteve a estabilidade que foi a meta do seu primeiro governo. Até exagerou na dose recomendada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) de superávit primário (3,5% do PIB), alcançando em alguns anos percentuais superiores. Entretanto, o prometido crescimento econômico ficou abaixo do esperado. No primeiro mandato de Lula, a média de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) foi de 3,5% ao ano, abaixo da média mundial para o período.

Ou então, a política econômica do próximo governo Lula será semelhante à sua segunda gestão (2007-2010)? Nesse período, o governo do Partido dos Trabalhadores (PT) “pegou carona” numa fase ascendente do ciclo da economia mundial, com aumento dos preços das commodities que favoreceu o agronegócio brasileiro – de fraca memória, pois é justamente onde se encontra uma parte dos produtores do setor que, hoje, financiam os protestos a favor do autoritarismo, com bloqueio de estradas e acampamento na frente dos quartéis. O fato é que, graças aos superávits da balança comercial (excesso de exportações em relação às importações), quando Lula encerrou o segundo mandato, deixou reservas cambiais de 281,7 bilhões de US$. Até se deu ao luxo de fazer um empréstimo ao FMI.

Mas foi nas políticas sociais que o segundo governo petista mais se destacou, servindo de plataforma eleitoral em 2022. Programas de transferência de renda para os mais pobres (Bolsa Família), reunindo alguns programas já existentes no governo anterior, e o aumento do número de beneficiários, retirou um número expressivo de brasileiros da situação de miséria. Infelizmente, no governo Bolsonaro, o Brasil voltou ao “mapa da fome”, das Nações Unidas (ONU). Houve, ainda, aumento de 60% no salário-mínimo real ao longo dos governos Lula e nenhum aumento no governo Bolsonaro. A desigualdade social foi reduzida quando Lula governou: a participação dos 20% mais pobres na renda passou de 2,52%, em 2002, para 3,21%, em 2011. Um passo pequeno, mas significativo considerando que milhões de pessoas ficaram menos pobres.

Quando entrou no governo (em 2003), Lula queixou-se de ter recebido uma “herança maldita”. Figura de retórica na época, injusta a meu juízo, que hoje não se compara, nem de longe, com a “herança” que herdou de Bolsonaro. Nesse sentido, os dados coletados pela equipe de transição do novo governo são alarmantes. O atual governo não dispõe de recursos, nem para fechar as contas de 2022. Embora o orçamento da União seja superavitário (pela primeira vez, desde 2013), explicável pela volta da inflação que “turbina” artificialmente a arrecadação, as despesas superam o “teto de gastos” – regra estabelecida pelo Congresso, segundo a qual a despesa não pode subir mais do que a inflação – o que leva ao bloqueio das verbas dos ministérios, sobretudo o da Educação, onde faltam recursos para pagar até as chamadas despesas discricionárias, de manutenção da máquina administrativa.

 Isso tudo acontece sob a responsabilidade de um governo que já “furou” o teto de gastos, por meio de Proposta de Emenda Constitucional (PEC), aprovada pelo Congresso, nada menos do que cinco vezes, resultando num aporte extra de verbas para cobrir despesas no valor total de R$ 794,9 bilhões. A situação é tão crítica que o governo estuda até “pegar uma carona” na chamada “PEC da Transição”, atualmente em negociação de Lula com o Congresso para pagar o aumento do Bolsa Família para R$ 600. Esta PEC, já aprovada na CCJ, do Senado, permitirá ao governo Lula gastar cerca de R$ 170 bilhões nos próximos dois anos. Para valer, essa PEC precisará dos votos de, pelo menos, 308 deputados na Câmara, em dois turnos.

Um grande nó, na negociação de Lula com o Congresso para aprovar a “PEC da Transição”, pode ser desatado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Trata-se do “Orçamento Secreto”. Se ele acabar, Lula precisará de outra “moeda de troca” (criação de novos ministérios?) para negociar com o “Centrão” a aprovação da PEC.  Até 31 de dezembro, “muita água ainda deverá passar debaixo da ponte”, mas, diante do avanço da negociação política, o desfecho mais provável é a aprovação da PEC, não restando aos golpistas de plantão nos quartéis outra alternativa senão enrolar a bandeira e voltar para casa.

Resta responder a seguinte pergunta: qual será a política econômica de Lula no terceiro mandato? Será ortodoxa, como no primeiro, priorizando a estabilidade de preços e o equilíbrio fiscal? Ou será desenvolvimentista, dando ênfase ao crescimento da economia, do emprego e de políticas de erradicação da fome e da miséria? Acho que será um pouco de cada uma. Haverá um “time” para cada uma delas. Porém, como sinalizou na sua campanha à presidência, Lula beneficiará, em primeiro lugar, seus principais eleitores (os pobres) – não foi por menos que se disse contra o teto de gastos (se aprovada a PEC de Transição, Lula terá seis meses para apresentar uma nova regra de controle de gastos ao Congresso). Enquanto isso, o peso da dívida no PIB deverá aumentar, significando que, no momento certo, Lula terá que enfrentar a questão do equilíbrio fiscal – condição necessária para queda dos juros, redução da dívida e retomada do crescimento.  

A escolha do momento certo na tomada de decisões é o principal desafio da governabilidade. Lula precisará de muita habilidade política para administrar o país, sabendo que metade dos eleitores não votaram nele. E terá, na radicalização política, a verdadeira “herança maldita”. Mesmo um hábil negociador, como Lula, precisa que haja disposição ao diálogo por parte dos opositores. A reunião de uma frente ampla de partidos no governo, pretende tirar uma parte do peso das costas de Lula. Na teoria, é uma boa ideia. Resta ver, na prática.

Sobre o(a) autor(a)

SVG: autor Por José Maria Pereira
Doutor em Economia, professor aposentado do departamento de Economia e Relações Internacionais da UFSM

Veja também