Vacina contra a desinformação SVG: calendario Publicada em 26/11/2025 SVG: views 30 Visualizações

Na tarde do primeiro sábado de novembro, depois do almoço, uma pequena fila na Praça Saldanha Marinho, em Santa Maria (RS), chamava a atenção de quem passava. Era uma ação da Secretaria Municipal da Saúde para atualizar a vacinação de trabalhadores que não conseguem ir a uma unidade durante a semana. Faltavam poucos minutos para as 15h, horário de encerramento, então eu e Carlos decidimos esperar. Em poucos minutos, fiquei sabendo que meu registro apontava ausência de quatro vacinas: tétano, febre amarela, hepatite e tríplice viral. A última eu provavelmente tomei na infância, mas se não constava e não há problema algum em repetir, segui adiante. Duas picadas em cada braço. Carlos tomou as duas que faltavam para ele.

Por que começar por esse relato, se não pretendo escrever uma crônica? Primeiro, porque existe a chance de alguém hesitante em relação às vacinas ler esse texto. Se meu testemunho servir como empurrão para uma ida ao posto, já valeu. Segundo, porque, como pesquisadora da desinformação e cidadã preocupada com o avanço do negacionismo e das crenças anticiência, quero convidar colegas docentes (de todas as áreas) a assumir uma responsabilidade que não dá mais para adiar.

Nos últimos dez anos, cresceu de forma alarmante o número de crianças no mundo que nunca receberam qualquer vacina. Dados da Unicef de 2023 apontaram que 67 milhões de crianças ficaram sem ao menos uma dose de vacina básica nos anos anteriores, o maior retrocesso em 30 anos. No mesmo ano, o Brasil não atingiu as metas de imunização contra sarampo, meningite, rubéola e outras doenças graves, mas totalmente evitáveis gratuitamente. Esse movimento não é aleatório. Pesquisas recentes têm mostrado a relação entre desinformação, negacionismo e queda nos índices vacinais. A própria Organização Mundial da Saúde classificou a hesitação vacinal como uma das dez maiores ameaças à saúde global.

Mas, por que as pessoas desconfiam tanto de vacinas se mais de 150 milhões de vidas foram salvas por elas nos últimos 50 anos? Aqui, vivemos uma pandemia sob um governo abertamente anticiência, que naturalizou a morte de mais de 700 mil brasileiros. Nos Estados Unidos, o presidente espalha mentiras relacionando Tylenol na gravidez ao autismo e, mais recentemente, colocou o CDC a serviço da desinformação científica em saúde. Mais uma vez, autistas e suas famílias viram alvo de teorias conspiratórias sem qualquer base.

Nada disso é acidental. A desinformação dá lucro, e dos grandes. E quem lucra aposta na dúvida, na confusão e no medo para vender soluções mágicas, terapias sem comprovação e suplementos milagrosos. Esse é o combustível das campanhas desinformativas nas plataformas digitais. E é por isso que nós, docentes, precisamos agir.

É urgente que assumamos nossa responsabilidade com a Ciência não apenas na pesquisa, mas também no ensino e na extensão. O combate ao negacionismo, às pseudociências e ao charlatanismo não é um tema restrito à Saúde, é tarefa de todas as áreas.

Contra a desinformação também já existe vacina. Ela se chama prebunking, estratégias educativas que ‘imunizam’ a população ao ensinar como funcionam os truques da desinformação - seus enquadramentos, apelos emocionais, falsas autoridades, argumentos manipuladores. Quando aprendemos a reconhecer essas estratégias, elas perdem o poder. Países, escolas e universidades que investem em prebunking colhem resultados concretos com cidadãos mais resistentes ao engano. Para 2026, o grupo de pesquisa que lidero planeja investir nessa estratégia para levar a vacina da desinformação a escolas, projetos e unidades de saúde, por meio de ações interdisciplinares. Quem quiser se somar, será bem-vindo!

 (* Luciana Carvalho também é líder do grupo de pesquisa Desinfomídia UFSM/CNPq)